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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Evolução das artes gráficas em Curitiba - Parte 03

Evolução das artes gráficas em Curitiba. 

Autor: Roberson M. C. Nunes – Casa da Memória; Fundação Cultural de Curitiba. 1991.
Transcrito do datilografado por Alan Witikoski 

3. A consolidação da produção gráfica e o desenvolvimento da Litografia paranaense.

Em 1902, a Baronesa do Serro Azul vende a Impressora Paranaense para Francisco Folch, que de há muito exercia a sua direção técnica, que concentra-se nas atividades tipográficas e litográficas. A firma alcança a Medalha de Ouro na Exposição do Cinquentenário (1903), pelas litografias exibidas.

Efetivamente, é nas duas primeiras décadas do século que se multiplica o número de empresas gráficas especializadas, muitas das quais até hoje em franca atividade. Graças à adiantada estrutura técnico-industrial curitibana se pode produzir revistas satíricas “Olho da Rua” e “A Carga”, impressas em policromia e papel couchê. Em 1911 surge o “Paraná Moderno”, o primeiro a imprimir fotografia (clichê com retícula), dos irmãos Weszfog. “A Noite” e o “Commercio do Paraná” são os dois primeiros periódicos impressos em linotipo. 

Exemplo do perfeccionismo técnico e artístico de Folch é a revista “Paraná”, de Romário Martins, que se comparava às melhores revistas brasileiras da época. Em 1912, Folch fez fusão com a litografia de Max Schrappe, de Joinville, que possuía uma filial no Recreio Cruzeiro, no Batel, montada em 1910.

A Impressora Paranaense não poupou esforços nem recursos para manter-se na vanguarda do setor gráfico, acompanhado a evolução dos processo de impressão, como bem atestam alguns rótulos atribuídos ao litógrafo Raschendorf (1914-1917), bem como a implantação de moderna clicheria, em 1929. Neste mesmo ano, provavelmente, a sua equipe de desenhistas-litógrafos criou as figurinhas que embrulhavam as famosas Balas Zequinha, no formato 5x7, obedecendo às indicações dos donos da empresa que as fabricava., A Brandina, dos Irmãos Sobania. Os exemplos pioneirismo se repetem a cada novo passo, como ocorreu em 1936, com a implantação do sistema “Offset-tied”.

Em 1914 retorna ao Brasil o litógrafo alemão Germano Henrique Guilherme Kirstein, trazendo para Curitiba uma prensa de mão, com a qual, em 1917, fez as primeiras decalcomanias fabricadas no Brasil, experimentalmente, utilizando-se de laboratórios improvisados e maquinismos rudimentares, com a finalidade de serem utilizadas em copo, aplicadas a fogo, utilizando retrato do então Presidente Wenceslau Braz. 

O gravador alemão Alexandre Schroeder, que estabeleceu-se em Curitiba no início do século e trabalhou algum tempo na Impressora Paranaense, onde conheceu Rômulo Cesar Alves, que funcionava à rua São Francisco n.º 37 (hoje n.º 215), com a participação de outros sócios, o Barãozinho do Serro Azul (Ildefonso Serro Azul) e Evaldo Wendler. A regra da casa era o rigor quanto à perfeição do trabalho, procurando a melhor impressão. Não obstante, a permanência de Schroeder nessa firma foi bastante curta, motivada pelo preconceito quanto à sua origem germânica. A Litografia Progresso teve sua atuação intensa na vida curitibana, sobretudo no período entre guerras, criando etiquetas e rótulos, a bem dizer, para todas as indústrias e casas comerciais da cidade; nesse período a cidade se torna centro universitário, a economia paranaense se tonifica e o pinho vai substituindo o mate como eixo industrial.

Em 1920 Schroeder associou-se a Kirstein, fundando a Litografia “Schoroeder e Kisrtein”, à rua Assunguy (atual Mateus Leme), números 57 e 59; essa associação seria de grande importância para o desenvolvimento da nossa indústria gráfica, pois ambos tinham, desde o início, o propósito de intensificar os ensaios para a produção das decalcomanias, chegando inclusive a fazer a primeira experiência de decalcomania em louça. Esse esforço pioneiro interessou o industrial Francisco Fido Fontana que, com os dois especialistas alemães e outros empresários locais, formaram a Sociedade Metalgráfica Limitada, visando “Indústria e comércio de estamparia, litografia, tipografia fabricação de latas e outros”, que entrou em operação a 15 de agosto de 1954, instalada num sobrado da atual Avenida João Gualberto, n.º 9.

Na qualidade de desenhista chefe da Metalgráfica, Schroeder executada trabalhos de alto nível artístico, marcadas pelo bom gosto na escolha das cores e pela execução limpa e meticulosa. Com o seu falecimento, ocorrido em 1934, assumiu o seu posto Rodolpho Doubek: “fazíamos na Sociedade coisas que só mais tarde foram feitas em outras litografias. Um exemplo eram os cartazes em relevo”. Na composição dos textos dos cartazes litográficos emerge toda uma sociedade, com suas crenças, valores e mesmo problemas, impregnados em casa uma das palavras do velho apelo ao consumo. A perda do reinado da litografia como soberana absoluta em processos de impressão nunca foi admitida como lógica por Doubek, apesar de alguns estabelecimentos em Curitiba só terem abandonado a litografia por volta de 1955/1958 (nota: existem informações que pode ter sido posterior, e como meio de reprodução artística se mantém).

A litografia conviveu lado a lado com todo o florescimento e apogeu do mate, que inclusive condicionava a sua atividade.  Para promover as diversas marcas de mate, produziu-se o mais variado material, desde rótulos de barricas até papéis de carta, cartões-postais, folhetos, marcadores de livros ou mesmo cupons e vales-brinde.

Os demais clientes das litografias eram principalmente fabricantes de doces, bolachas, produtos alimentícios e bebidas, estas com os rótulos mais cuidados e sofisticados (vinhos, runs, uísques, vermute, gengibirra, gasosas, guaraná, capilé, etc.), além de cigarros, charutos e produtos de perfumaria. Em Curitiba havia também algumas cervejarias e fábricas de “phosporos”, que não puderam sobreviver muito tempo à concorrência das filiais das grandes empresas, e assim se foi também a litografia, atropelada pelo Offset

Durante toda uma certa época, os rótulos e embalagens desses produtos industrializados de grande consumo se constituíram num importante meio de comunicação popular, através de seus desenhos, a população tomava conhecimento dos modismos em voga e participava de uma visão do mundo, realista ou onírica, cuja repetição constante, durante anos, criava uma nova imagem mental, constituindo um dado referencial compartilhado com outras pessoas. 

Posteriormente, a Sociedade Metalgráfica limitou-se a produzir exclusivamente decalcomanias, sendo incorporada às Fábricas Fontana, que transformaram-se na mais importante organização do gênero em todo país.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Entrevista: José Eros Alves comenta sobre a Litografia Progresso

José Eros Alves nasceu em Curitiba no dia 20 de março de 1920 e praticamente criou-se dentro da Litografia Progresso, fundada em 1912 por seu pai, Rômulo Cesar Alves em sociedade com o litógrafo Alexandre Schroeder.

Em seu depoimento, gravado no dia 12 de agosto de 1975, Eros explica porque esta sociedade foi dissolvida, relacionando o fato com a Guerra e a Lista Negra de Importação dos Estados Unidos, fala no seu pai, nos litógrafos que passaram pela Litografia Progresso e relembra como ele e os irmãos faziam a praça de Curitiba no velo fiat da firma, visitando indústria a indústria.

Cita a Odisseia para confecção dos rótulos em dourado, faz questão de relatar uma importação de purpurina embargado no Porto de Paranaguá porque as autoridades pensaram tratar-se de ouro em pó, e não deixa de definir a Litografia como uma espécie de Cada da Moeda do Paraná.

Entrevista cedida a Rosirene Gemael, e transcrita do original datilografado por Alan Witikoski para pesquisa. Disponível para consulta na Fundação Cultural de Curitiba.

1. Quando e onde começou a funcionar Litografia Progresso?
A Litografia Progresso foi fundada a rua São Francisco antigo número 37, hoje 215, por Barãozinho do Cerro Azul, Alexandre Schroeder e meu pai, Rômulo Cesar Alves. O nosso telefone foi um dos primeiros, número 42. Com o advento da Primeira Guerra Mundial, por ser um dos sócios de nacionalidade alemã, nossa firma entrou para a Lista Negra das importações. Meu pai comprou a parte dele, acabou comprando a parte do outro sócio também, e afirma passou a ser individual. Até 1941 permaneceu razão social Rômulo Cesar Alves e aí mudou para Rômulo Cesar Alves & Cia Limitada com a admissão dos seus filhos como sócios. Mais tarde também foram admitidos outros dois sócios
(Nota: os outros nomes encontram-se rasurados no original, provavelmente a pedido).


2. Mas a litografia começou mesmo com outro nome, não foi?
Sim, em 1912 foi fundada com o denominação Schroeder & Cia Limitadada, paesar de ter já nesta época o nome fantasia de Litografia Progresso. Aliás, nesta época, não se dizia indústria gráfica, mas sim artes gráficas.

3. Como foi mesmo a saída do Schroeder da firma?
Havia o quebra-quebra, a Lista Negra dos americanos na época da guerra. Nós importávamos tudo e a Alemanha foi cortada das importações. Tendo um sócio alemão a firma não podia importar e praticamente não podia trabalhar. Então ficou só o meu pai, que era brasileiro.

4. Em outro depoimento foi contado que um dia o Schroeder chegou para trabalhar e viu seu nome cortado do letreiro da janela da firma, o senhor confirma?
Este caso ocorreu mesmo, eu lembro que meu pai contava. Foi por causa disto que ele resolveu desfazer a sociedade. Até o Brasílio Marques, filho do Generoso Marques, aconselhou meu pai a separar-se do sócio, porque estava sofrendo problemas imensos.

5. Mas ele chegou mesmo a sofrer algum problema?
Chegou, pois foi proibido de importar ...

6. Inicialmente a Litografia Progresso confeccionava que tipo de material?
Só rótulos. Depois é que foi evoluindo, aperfeiçoando, comprando maquinário e diversificando a produção.

7. E o equipamento, como era?
No ano de 1939 adquirimos um novo parque industrial, um prelo BB 76 x 96, o maior prelo de Curitiba, que imprimia uma folha inteira. Naquele tempo éramos especialistas em todo tipo de rótulos, fazíamos gráficos para a estrada de ferro, mapas para o Serviço Nacional de Terras e Geografia do Estado, e fomos, durante muitos anos, praticamente a Casa da Moeda do Paraná, fornecíamos os selos para a Secretária da Fazenda. Selos de consignação, selos de existência, (lei criada pelo interventor Manoel Ribas) e, selos adesivos. Fizemos também os antigos diplomas da Universidade Federal do Paraná, com patente nossa, um processo exclusivo de impressão em pergaminho. Mais tarde ainda, enriquecemos o parque industrial com um setor de tipografia para confecção de blocos, envelopes, papel de carta e notas fiscais.

8. A Litografia trabalhou com pedras até que ano?
Bem, depois das pedras ainda passamos para as chapas de zinco, porque as pedras eram importadas, e esta importação era difícil. Elas mediam de 10 a 12 cm de largura, eram pesadíssimas e complicadas. Devido ao uso excessivo, as pedras afinavam e a gente precisava colar, com uma cola especial, uma placa de mármore para poder utilizar o outro lado. Só depois é que utilizamos o offset, mas não posso precisar o ano.

9. A Litografia Progresso fornecia impressos só para o Paraná?
Fornecíamos do Amazonas ao Rio Grande do Sul, enfrentando aquelas dificuldades todas no despacho das mercadorias. Para o Norte, a gente embarcava via Paranaguá; esperava longos meses um navio costeiro ou do Loyde Nacional. A carga ia assim até Belém do Pará onde pegava a companhia que fazia o rio Amazonas, levando em média 120 a 150 dias para chegar em Manaus.

10. Aqui no Paraná, quais eram os clientes da Litografia Progresso?
Naquela época, o forte do Paraná era a indústria extrativista e especialmente o mate. Aquele engenhos tradicionais, dos quais só existem dois atualmente. A erva era exportada em barricas e os rótulos redondos, obedeciam a vários tamanhos: Inteiros, meios, quartos e oitatvos de barricas, cortados em máquinas especiais, tipo balancim. Imprimimos também etiquetas para balas de fábricas que nem existem mais como  Beneoito, Gianpaoli, Irmãos Sobania, João Marcassa, Pedro Kulo, Francisco Lashoski. Na parte de bebidas, tínhamos muito mais fábricas do que temos hoje. A antiga Atlanctica,o Rigolino, Cervejaria Providência, Cervejaria Brasileira, hii, eram muitas. Fábricas pequenas, mas realmente paranaenses. Havia uma indústria farmacêutica fazendo pasta dentifrícia, vinho reconstituinte, não havia os cartéis estrangeiros de laboratórios como há hoje.

11. Então a cliente era realmente grande ...
Muito grande. Em Curitiba, nós fazíamos a praça. Depois do almoços, nós os filhos pegávamos o carro da firma, um fiat, e um visitávamos um e outro, e era uma coisa. Nas fábricas de bebidas, por exemplo, obrigavam a gente a beber seus produtos.

12. E qual era o espírito da Litografia Progresso?
Meu pai, além de técnico, sempre teve um espirito muito progressista, sempre estava atualizando, e a litografia não era encarada como indústria, mas sim como uma arte.  Não havia um só operário que não fosse especializado, e a dificuldade era justamente esta: técnico. O maior celeiro destes profissionais era o estado de Santa Catarina. Quase todos os nossos operários vinham de lá e eram de origem alemã. Tanto assim, que muita gente pensava que nós também fossemos estrangeiros, apesar de meu pai ser de Paranaguá por quatro gerações. Naquela época, a litografia era explorada quase que exclusivamente por alemães, a própria litografia foi iniciada por alemães. Nosso serviõ, sem falsa modéstia era primoroso.

13. Seu pai aprendeu onde?
Ele foi aprendiz na antiga impressora Impressora Paranaense, no tempo de Jesuino Lopes. Ainda era garoto quanto começou a se interessar e aprender. Mais tarde, quando o Max Scrappe que tinha uma fábrica de linguiça em Joinville veio a Curitiba e comprou a Impressora, meu pai saiu e fundou a firme dele.

14. Então foi na Impressora Paranaense que ele conheceu o Schroeder?
Isto mesmo. Saíram os dois na mesma época. E precisaram de capital, porque naquele época as máquinas eram todas importadas da Alemanha. O Brasil era incipiente no setor, até as tintas eram importadas da França e também o papel. Mais tarde melhorou um pouco quando a fábrica de tintas francesa abriu uma filial no Rio de Janeiro, depois a Cromus em São Paulo, e depois ainda a Klabin, vendendo papel.

15. Qual era o setor de cada sócio?
Meu pai cuidava da parte do transporte, que um setor importante em se tratando de uma indústria gráfica. Existiam dois padrões de papel: o BB 66 x 96 e o AA 76 x 112. As máquinas antigas normalmente pegavam 76 x 96, a metade do papel. Dois centímetros de margem eram destinados a pinça, onde a máquina segurava o papel. A máquina era muito interessante. Havia uma moça marginadora, que colocava a folha na máquina. A pedra corria dentro de um carro. Atrás havia o tinteiro e na frente a mesa de feltro que trabalhava com água para evitar que o papel colasse na pedra. Tudo era automático: a moça colocava a folha, dava a volta, passava a pedra, outra moça tirava a folha e quando a pedra voltava passava na tinta. Meu pai fazia justamente a distribuição do impresso no papel porque nosso segredo estava justamente no racional aproveitamento do papel. Quando compramos a máquina grande, passamos a imprimir no papel inteiro. Havia então maior necessidade de se estudar a distribuição para não haver desperdício e consequentemente não encarecer o produto. A distribuição era tão cuidado, que não tínhamos aparas, assim mesmo, o pouco que juntava, nós pagávamos para o carroceiro levar embora, imagina se hoje faríamos o mesmo.

16. Quem fazia os desenhos dos rótulos na litografia?
Os desenhistas que eram chamados de cromistas. O freguês chegava lá, pedia o rótulo, explicava o produto e o cromista fazia o croqui. Naquele tempo existia, por exemplo, uma fábrica de saponáceo, e o rótulo eram simples em termos de ideia: uma panela, uma pessoa passando o saponáceo dentro, saindo uns brilhos para  fora ... O croqui era o desenho do róutlo feito a aquarela, e nele se definia o número de cores, complicado, porque cada cor era uma impressão, uma passa na máquina.

17. Onde os cromistas aprendiam a profissão?
Muitos cromistas de Curitiba aprenderam conosco. Eles tinham uma queda par ao desenho então, sem noção prática ou teórica, iam direto trabalhar. Primeiro dedicavam-se o preencher espaços pré-determinados, como exercícios para firmar a mão. Depois faziam retoques, e finalmente passavam aos primeiros rótulos, de uma só cor, que eram os mais simples. Quer dizer que nós mesmo formávamos nossos elementos.

18. Era muito complicado trabalhar com pedra?
Depois de desenhada a pedra ia para a seção de transporte onde o desenho era fixado e dava-se uma pequena saliência. Havia o preparo químico, muito complicado, onde a pedra recebia ácido, asfalto, maçarico, e cada cor era um trabalho à parte. Cada chapa de cada cor trazia cruzes nos pontos de referência. Estas cruzes deviam coincidir, senão dava maculatura, como o fantasma de televisão. Depois de utilizada, a pedra, os originais eram gravados em pedras pequenas chamadas de chapas, e as pedras grandes eram limpas com areia fina e postas no nível. Para isto a pedra precisava ser medida em todas as direções com réguas de ferro debaixo das quais passava-se um papel fino para constatar aos mínimas diferenças que deveriam ser acertadas. Isto era uma verdade arte, pois da precisão dependia o sucesso da impressão

19. O senhor fala muito em arte ...
Mas era a arte aplicada na indústria. Tanto assim, que a profissão de litógrafo não era litógrafo mas artista gráfico. No primeiro título de leitor do meu pai, começo do século, constava: profissão artista.

20. O Schroeder também desenhava?
Ele era um dos diretores, e os desenhistas eram os empregados. Mas meu mano lembra dele desenhando.

21. Lembra algum caso interessante relacionado especificamente com a confecção de rótulos?
Interessante ... As marcas de mate eram interessantes. Havia o Arminho, Cruz de Ferro, El Contrabandista, El Matador, Iguassu ... O mate El Matador mostrava no rótulo uma reprodução da carreta de Montevidéu e trazia escrito: “ a melhor gerba é trazida pela contrabandista”. O interessante é que as marcas eram de argentinos, uruguaios e chinelos; eles mandavam preparar a erva e depois vendiam lá. O rótulo do mate Real foi o primeiro que fizemos em relevo.

22. E sobre as etiquetas de balas?
A fábrica de balas do Gianpaoli tinha um tipo de bala de luxo, muito boa, finíssima que custava um tostão cada, e depois tinha umas balas com nome de mulher: Iris, Iná e Gioconda. Chegamos a fazer balas Zequinhas, e muitas outras balas de coleção: Estudante, Mutt and Jeff, eoutra não lembro o nome, que juntando os invólucros a criança formava um quebra cabeça. Sempre havia uma figurinha que era chamada de difícil e custava para completar a figura. Dizia-se, inclusive, que quem comprasse cinquenta balas, ganharia uma difícil, então o sonho da gurizada era arrumar dinheiro para comprar as cinquenta. Só que estas balas eram pura água e açúcar. Ah, tentamos também fazer as balas Chico Fumaça, mas não pegou.

23. Lembra algum prêmio ganho pela Litografia Progresso?
Lembro de um, numa exposição internacional em Montevidéu no ano de 1922, Ganhamos uma medalha de ouro e uma menção honrosa.

24. No inicio o senhor disse que a litografia fazia praticamente todos os selos do Estado. Porque?
Eram realizadas concorrências para São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná e nós tínhamos qualidade, honestidade e preço. A confecção dos selos era acompanhada de perto por funcionários da Fazenda que permaneciam dentro da Litografia.

25. E qual era a função destes funcionários?
Para que não fossem falsificados selos. No final do dia para a pedra não para sofrer interferências, eram cobertas com verniz e postas para secar, e o pessoal da Fazenda assinava em cima, para evitar falsificações. Isto era uma bobagem, porque éramos desenhistas e seria fácil para nós, desenhar uma assinatura ... De qualquer forma, os funcionários ficavam oito horas na Litografia, acompanhando todas as fases da confecção dos selos. Até tivemos um problema. É que os funcionários queriam começar a trabalhar às nove horas da  manhã, nós começávamos às sete e não queríamos deixar as máquinas paradas por duas horas. Chegamos a falar com o secretário da Fazendo e depois disto, passamos a pagar, do nosso bolsa, duas horas de salários para que os funcionários da Fazenda chegassem às sete horas.

26. E quem criava os selos?
O pessoal da Litografia, meus manos e eu. E tínhamos muitos catálogos para tirar ideias.

27. A litografia tinha trabalho o ano inteiro?
Nós só trabalhávamos sob encomenda, com “o pedido no prego”, como chamávamos. Havia uma época que chegávamos a trabalhar com duas turmas, 16 horas por dia. Havia outros, no entanto, em que resolvíamos fazer modificações, desmontar máquinas por falta de trabalho.

28. Estas paradas tinham caráter cíclico?
Tinham sim, como reflexo da safra de mate.

29. Mas chegava a ocorrer crise?
Não. Todos os produtos fabricados na época precisavam levar a etiqueta, “indústria brasileira”, que era verde amarela. As firmas já aproveitavam para por nome, endereço, telefone. Quer dizer, toda indústria era um cliente em potencial porque não podia ficar sem impressos.

30. Bem no inicio, a Progresso enfrentava muita concorrência?
Naquela época, em litografia só trabalhávamos nós mesmos e a Impressora Paranaense. Pouco mais tarde surgiram outras. Nós tivemos um acordo com a Impressora Paranaense e compramos em conjunto uma gráfica em Blumenau, Empresa Gráfica Catarinense S.A. Isto foi no ano de 1939. Eu fui então para lá, permaneci por seis meses e fiquei chocado porque tudo era em alemão. Só a contabilidade era feita em português ... Até o aviso da porta, “proibida a entrada” era em idioma estrangeiro e eu tive que aprender na marra. Imediatamente a minha chegava disse que precisávamos mudar aquele norma e um dos funcionários falou: “É bom ir devagar se não vai criar problemas”. Agora recentemente quando fechamos a Litografia Progresso, vendemos nossas ações para a Impressora Paranaense.

31. A gráfica existe hoje? E seu nome foi mantido?
A gráfica ainda existe, só que passou a ser filial da Impressora Paranaense.

32. A parte do Schroeder na Litografia Progresso, qual era?
Era responsável por toda a parte de impressão, lidava com as pedras, mistura de cores, os tons. Naquela época vinham só as cores básicas e nós mesmos é que tínhamos que diluir, moer a tinta e preparar os tons.

33. E os rótulos e impressos com dourado, eram muito complicados? Parece que era o luxo ...
Eram impressos em verniz e para dourar passava-se um chumaço de algodão com purpurina. Acontece que nestas ocasiões todos os operários, máquinas e material ficavam cobertos pelo pó que se espalhava no ar. A pessoa que faria o trabalho precisava usar panos no rosto para se proteger. Era uma loucura, o que se perdia de purpurina não era brincadeira. Bem por isto, estes rótulos custavam uma fábula, exigiam um verdadeiro trabalho chinês. Mais tarde apareceram as primeiras máquinas que sacudiam o pó e passavam umas escovas em cima dos rótulos, simplificando um pouco. Do final tínhamos outra máquina mais moderna que oferecia também a vantagem de não desperdiçar a purpurina que reaproveitada através de exaustores.

34. Logo no inicio o papel nacional era bom?
Olha, algumas vezes tivemos problemas com o papel nacional. Você sabe que entra muito água na composição do papel. Pois bem, as vezes a água tinha muita areia e quando o papel passava na máquina os resíduos prendiam no rolo e danificavam a pedra. Então tínhamos que limpar este papel na maquina de dourar, sem dourar, aproveitando as escovas. Era um trabalho infernal ...

35. E porque afinal foi fechada a Litografia Progresso?
Havia dificuldade de se encontrar técnicos, pois hoje em dia ninguém quer se aprofundar nas coisas. Além disto, a indústria gráfica sofreu grandes transformações. Lembro que foi criado um grupo de comprar pelo Governo Federal para sanar as dificuldades de importação. Depois do grupo houve uma facilidade tão grande na importação de maquinário, à ponto de em São Paulo, quebrar uma gráfica por dia: muita concorrência desleal. Além disto, nossos sócios eram muito velhos, eu era o mais moço e não era técnico e a indústria gráfica não podia fazer sem o técnico. Hoje não, porque tudo é eletrônico, há o fotolito, desapareceu o artista. Chegamos a construir um prédio novo na frente da litografia, mas foi na época da guerra e havia muito dificuldade para importação. Quando acabou a guerra meu pai já estava doente e não nos animamos para uma nova aventura. Precisaríamos construir um novo prédio, agora fora do dentro da cidade, o que implicaria em grande capital,, e não havia um elemento novo que quisesse tocar a litografia. Porque a pessoa tem que viver a coisa. A Litografia é uma indústria muito bonita, você vê a ideia no croqui, depois a evolução para o croqui definitivo e finalmente a impressão, com o resultado do trabalho. Além disto, é uma indústria muito ingrata. Se ocorre um erro, joga-se tudo fora, não dá para vender para mais ninguém ...

36. E como era seu pai como pessoal?
Ele era excepcional, pai e amigo. Muito trabalhador, com uma tenacidade tremenda, um verdadeiro escravo do trabalho. Casou-se em 1903, morava na rua Paula Gomes e usava o trem de burro que ia da praça da Ordem até o Batel. Quando não o tostão da passagem lhe fazia falta e por isto trabalhava durante o  dia na Impressora e à noite no Correio. Deixou alguma coisa para os filhos e principalmente um nome muito limpo.

37. O senhor e seu irmão começaram a trabalhar cedo na litografia?
Meu irmão mais velho começou muito cedo, fez a escola prática do comércio e entrou na firma. O outro também. O Telange trabalhou até 1935 quando formou-se em Engenharia e passou alguns anos em São Paulo. Como precisava de mais gente, eu acabei do ginásio, fiz o curso de Perito Contador e comecei a trabalhar com o meu pai, em 1935, aos 16 anos de idade.

38. O senhor ficou diretamente ligado a Litografia até que ano?
Até o final.

39. Por favor, seu nome e data de nascimento.
Eros José Alves. Nasci na rua Floriano Peixoto no dia 19 de março de 1920. Sou o mais moço de seus filhos, quatro homens e duas mulheres. Agora, no entanto, só estamos em três.

40. Lembra mais algum caso interessante?
As histórias são tantas, no entanto é difícil lembra-las assim. O Acyr Guimarães, por exemplo, um dos funcionários da Gazeta do Povo, foi vendedor da Litografia Progresso. Fizemos capas de livros inclusive para o Romário Martins, Sebastião Paraná ...

41. Seus fregueses costumavam distribuir brindes?
Havia em Curitiba uma bebida suis generis “Sinalco” que distribuía uns cálices de cristal da Bohemia com o nome gravado, ficou lindo. Mas os brindes eram principalmente calendários, familiares e comerciais. O segundo era grande, e o primeiro geralmente com figuras e reprodução de quadros.

42. O consumo de purpurina era muito grande?
Aconteceu inclusive um caso engraçado. Uma vez importamos de uma firma americana duas toneladas de purpurina por talvez 8 contos de reis. Quando o fornecedor viu que nosso capital era de doze contos de reis, estranhou, e mandou uma carta perguntando como podíamos gastar tanto só com a purpurina. É que naquele tempo não havia credito em aberto; comprava-se a mercadoria e sacava-se uma letra de câmbio para 180 dias. Quer dizer, quase que se pagava com a utilização da própria mercadoria comprada. Outro caso ocorreu quando a purpurina chegou a porto de Paranaguá. Por erro de despachante, veio escrito que se tratava de ouro em pó, mas outro mesmo. Olha, foi uma luta. O porto embargou a mercadoria, tivemos que tirar uma amostra, não havia laboratório em Curitiba e então o material foi enviado a Porto Alegre para ser examinado. Isto ocorreu por volta de 1930, 1931 ...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Breve análise: Dijon de Moraes, Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem.

Capítulo 2 – Um novo país industrializado 1960-1970.  

Dijon de MORAES, em seu livro Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem, busca uma análise crítica sobre a instituição no Brasil do design. Para isso, parte da concepção de que o design no Brasil tem sua origem na fundação das primeiras escolas de design, alinhando-se com o discurso de Lucy NIEMEYER (1997) e, de certo modo, se opondo a perspectiva de pesquisas apresentadas por CARDOSO (2004, 2005). Em alguns momentos, MORAES, até procura reconhecer a possibilidade de algumas iniciativas relacionadas ao design, porém deixa-as em segundo plano de discussão, se concentrado a partir da análise de meados até o fim do século XX.

Sua escolha é cronológica do mais antigo ao mais recente ─ se inicia com a formação, influencias e consolidações de uma estrutura de ensino de design no Brasil.  

O papel dos militares e das multinacionais. 

MORAES promove uma análise sobre como a política adotada pelo regime militar impactou no desenvolvimento industrial do país. Este argumento é importante, pois explica vários acontecimentos posteriores vivenciados pelo design brasileiro. 

Apesar da postura considerada de direita, e até mesmo nacionalista, MORAES revela que a ideia de industrialização com base em incentivos adotada pelo governo, principalmente por meio das indústrias multinacionais, como: doação de terrenos, diminuição de impostos, e possibilidade de envio de lucros ao exterior, incentivou um estilo de industrialização danoso à integração do design-indústria. 

MORAES aponta que a corrida da industrialização brasileira ocorre de modo acentuado entre 1967 e 1973, como um surto de industrialização como cita FAUSTO (1995) e MENDONÇA (1995). Os planos de desenvolvimento e industrialização visavam transformar o Brasil no “país do futuro”, porém, não de um modo sustentável, e apenas para uma parcela da população. Fato, apontando por MORAES, é que a industrialização acentuou as diferenças sociais, e deve benefícios concretos apenas para uma parcela da população, originando uma “classe média”, responsável pelo fortalecimento do mercado interno.

As empresas multinacionais instaladas visavam o lucro rápido, o que era facilmente obtido com a criação de uma política fiscal ”generosa”, somada a um controle da mão de obra ─ enfraquecimento dos sindicatos ─, baixos salários, nenhuma exigência de desenvolvimento de produto e um mercado interno, pouco crítico ─ o que importava era o menor preço, e não a qualidade. 

Nos setores industriais em que as multinacionais, por inúmeros motivos, não consolidaram sua presença, coube a figura do governo investir como telefonia, transportes, portos, geração e distribuição de energia etc.

MORAES ressalta a necessidade de investimento em infraestrutura, financiados pelo governo, o que aumentou o grau de endividamento do Brasil no exterior, aumentando, consequentemente, a chamada “dívida externa”. 

Uma perspectiva, não abordada pelo autor, é de como se deu o processo de desenvolvimento tecnológico no Brasil no período, tendo o governo como grande incentivador e investidor, e por meio de obras grandiosas, como a Usina de Itaipu e a Transamazônica, procurava transmitir um ideal de Brasil “moderno”, do “país do futuro”.

Industrialização e modernidade.  

A industrialização promove uma revolução sociocultural na medida em que novos hábitos de consumo, comportamento, alimentação e vestimenta são incorporados à forma de vida e hábitos de uma população. A industrialização e a “modernização” caminham lado a lado. 

Até 1960, apenas 20% da população brasileira vivia nas cidades. A industrialização gerou uma urbanização acelerada, que desencadeou a violência urbana e o caos social nas cidades com o aumento de periferias e favelas. 

Na atualidade, mesmo com o fenômeno da agroindústria, observa-se que tanto nos países industrializados quanto nos Novos Países Industrializados, “ainda se mantém uma grande diferença percentual em favor da indústria e do serviço em detrimento da agricultura” (MORAES, 2009, p. 100).

O design no contexto de uma industrialização forçada.

O milagre econômico brasileiro gerou uma grande expansão no mercado e fez com que empresas privadas locais destinassem a sua produção somente ao mercado interno. Com isso, o desenvolvimento do design nacional foi afetado, pois as empresas brasileiras não se deparavam com os desafios do confronto e da competição do design internacional. 

Ao contrário do que ocorre na esfera produtiva da indústria, no âmbito acadêmico, o design desenvolve-se acentuadamente por toda a década de 1970. 

A pequena parcela de brasileiros que podia consumir em larga escala o que era produzido, valorizava o preço baixo em detrimento do design e de outros valores agregados e percebidos nos artefatos industriais (MORAES, 2009, p. 102). Por essa razão, as multinacionais estabelecidas no Brasil adotaram a prática de abastecer o mercado brasileiro com produtos baratos e obsoletos dos seus países de origem. Era a chamada prática do down grade, eliminação de partes ou componentes de maior custo dos produtos diminuindo, com isso, a qualidade final. 

Não existia um departamento próprio de desenvolvimento de produtos com designers locais nas empresas multinacionais que operavam no Brasil. O que existiam eram departamentos de projetos e de engenharia responsáveis pela adaptação dos produtos vindos do exterior à realidade brasileira. Essa “adaptabilidade e redesenho” de produtos vindos do exterior era conhecida pelo slogan “tropicalização do produto”. 

A “tropicalização do produto” provocou o empobrecimento do design, pois além de reforçar a cópia de produtos do exterior na esfera local, também distanciava o consumidor do acesso a qualidades inerentes ao produto. 

Diante disso, “o ensino apresenta-se aos designers brasileiros como a melhor alternativa para colocar em prática as suas próprias percepções e conceitos experimentais da atividade de design” (MORAES, 2009, p. 105).

 A vinda das multinacionais trouxe uma grande transformação quanto à inovação produtiva e à gestão do processo de produção em série, mas o design foi pouco desenvolvido no âmbito dessas empresas. As empresas locais acabaram sendo influenciadas pelas multinacionais na aplicação do mimetismo fabril e tecnológico. 

De acordo com VERGANTI (1999, apud MORAES, 2009, p. 109), existem várias motivações que podem induzir à inovação dos produtos industriais: fatores estratégicos, de mercado, tecnológicos e normativos. Tais fatores não foram observados pelas multinacionais estabelecidas no Brasil nessa época. A estratégia destas empresas era o lucro fácil e rápido. 

O efeito – positivo e negativo – das multinacionais em território brasileiro proporcionou profundas alterações na cena brasileira. Ocorreu uma “ocidentalização do Brasil”, na qual os países mais industrializados enviavam ao Brasil, por meio das multinacionais, modelos produtivos que não poderiam mais ser utilizados nos seus países de origem, com larga margem de lucro, poluição e descaso com o impacto ambiente e exploração de mão-de-obra (MORAES, 2009, p. 110). 

Todas essas transformações sociais vindas com a industrialização são conseqüências diretas da modernidade, promovendo a ordem e o caos no Brasil.

É importante ressaltar que MORAES, aparentemente na escolha de seu discurso, não contemplou exemplos que figuram na contra mão de suas afirmações, mesmo que de modo pontual, porém que instigam a pensar que poderia ocorrer um movimento de interação entre este design exterior, sua tropicalização e a cultura local. Citando alguns exemplos destas práticas: A concepção e fabricação de automóveis considerados “fora de série”, Puma, Santa Matilde, Bianco, GTB, Adamo etc ; automóveis desenvolvidos no Brasil; como VW Brasília, Variant, Passat; GM, Chevette, lançado 6 meses antes do que seu similar europeu o Kadett , e o caso da Gurgel, com o BR800. Do mesmo modo pode ser observado o desenvolvimento de centros de desenvolvimento, que na sua tropicalização do produto, acabavam tornando-o único, diferente do restante do mundo, e contaminado por características locais. Um dos casos que pode ser citado é das lavadoras de roupas, a entrada de roupas na maioria das vezes é superior, e mesmo numa tentativa da entrada lateral, mais comum em outros países, não foi bem aceita no mercado nacional, sendo mantida a entrada superior.

Seriam casos interesses que ocorreram na indústria “nacional” empresas multinacionais com filiais no país que poderiam entrar na análise de Moraes como um movimento de resistência, mesmo que tímido, do design nacional, transmitido por meio de sua cultura, afetando e configurando o artefato projetado. 

Referências:
NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 1997.
CARDOSO, Rafael. O design antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do Design. Edgard Blücher. São Paulo, 2004.
MENDONÇA, Sonia. A industrialização Brasileira. São Paulo. Moderna. 1995.
FAUSTO , Boris. História do Brasil. São Paulo. Edusp. 2 ed. 1995.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Considerações sobre o capítulo Os primeiros designers industriais. FORTY, Adrian. Objeto do desejo – design e sociedade desde 1750. São Paulo. Cosac Naify, 2007.

FORTY (2007) toma referência um estudo na indústria de cerâmica de Josiah Wedgwood para construir o argumento de como surgiu a atividade do designer no século XVIII. É relaciona com um uma modificação na estruturação e na divisão de trabalho dentro da indústria, com o objetivo de diminuir custos e, consequentemente, aumentar os lucros. Tal perspectiva sobre a consolidação do design nos meios industriais, refuta as premissas indicadas pelos historiadores do design, como Herwin SCHAEFER, que remetiam a incorporação do design no processo industrial como relacionado a incorporação de novas tecnologias.

Por meio de relatos de cartas de Wedwood para Bentley, seu sócio na indústria,  em conjunto com relatos sobre a história do desenvolvimento da indústria cerâmica na Inglaterra, FORTY (2007) estabelece que um conjunto de fatores de ordem, cultural, econômica e de certo modo estética, influenciaram todo o desenvolvimento da indústria da cerâmica.

Entre tais fatores, pode-se citar o saturamento do mercado de cerâmica, todos os potenciais clientes já possuíam peças de louça, portanto era necessária ou a criação de um novo mercado, destinado a um consumidor de renda inferior, ou a adoção de algum diferencial, no caso a qualidade das peças e os motivos (temas) retratos. Wedgwood, de certo modo, buscou ambas. Investiu em várias formas de produzir uma cerâmica de ótima qualidade, inovando em processos que permitiam uma produção em escala, em conjunto com um controle de qualidade, além de associar suas peças a um novo padrão estético, então vigente na época, o Neoclássico. É ressaltado de que este estilo estava em evidência, principalmente pelas descobertas de Herculano e Pompéia, o que encantou as classes elevadas, que viram dentro do estilo Neoclássico, um modo de se diferenciar e afirmar sua posição de prestígio. 

FORTY (2007) esclarece que o grande fator de sucesso de Wedgwood foi o de dividir em várias etapas o processo produtivo para que assim obtive-se um maior controle de qualidade de produção. Criando a função de modelador, responsável pelo projeto de moldes que seriam fabricados. Para tal função contava com o trabalho de alguns artistas, como John Flaxman, que eram remunerados por semana com valores superiores a um artesão normal.

Wedgwood contava um com uma rede de distribuição de peças em que enviava as lojas apenas peças para mostruário, exigindo que seu consumidor fizesse uma encomenda, deste modo reduzia seu capital investido em estoque.  A noção de mostruário também era incorporada em catálogo de peças, os vendedores iam até o consumidor, não deixando de ser uma venda “diferenciada”.

Junto a este contexto, Wedgwood adotou o estilo Neoclássico, de formas mais sóbrias, retas e simétricas que permitia um melhor rendimento na produção e facilidades para a confecção da decoração, o que colaborou para um aumento da produção e uma redução de custo por unidade produzida.

Pode-se observar que esta relação entre senso estético, produção industrial e mercado consumidor indicada por FORTY (2007), não é tão distante do contexto atual. Porém uma dúvida é, até que ponto os ensaios e melhorias no processo de queima, novos materiais, elementos de decoração, ou seja, a tecnologia, não influenciou o desenvolvimento e a adoção de novos elementos estéticos? Ou será que a demanda por novos elementos estéticos não motivou um desenvolvimento tecnológico? Ou ainda no fundo tudo era apenas uma questão econômica uma rede de interesses para se obter um maior lucro, com o menor investimento possível, usando a questão social e tecnológica como ferramenta?

Referências:
FORTY, Adrian. Objeto do desejo – design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.