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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Entrevista: José Eros Alves comenta sobre a Litografia Progresso

José Eros Alves nasceu em Curitiba no dia 20 de março de 1920 e praticamente criou-se dentro da Litografia Progresso, fundada em 1912 por seu pai, Rômulo Cesar Alves em sociedade com o litógrafo Alexandre Schroeder.

Em seu depoimento, gravado no dia 12 de agosto de 1975, Eros explica porque esta sociedade foi dissolvida, relacionando o fato com a Guerra e a Lista Negra de Importação dos Estados Unidos, fala no seu pai, nos litógrafos que passaram pela Litografia Progresso e relembra como ele e os irmãos faziam a praça de Curitiba no velo fiat da firma, visitando indústria a indústria.

Cita a Odisseia para confecção dos rótulos em dourado, faz questão de relatar uma importação de purpurina embargado no Porto de Paranaguá porque as autoridades pensaram tratar-se de ouro em pó, e não deixa de definir a Litografia como uma espécie de Cada da Moeda do Paraná.

Entrevista cedida a Rosirene Gemael, e transcrita do original datilografado por Alan Witikoski para pesquisa. Disponível para consulta na Fundação Cultural de Curitiba.

1. Quando e onde começou a funcionar Litografia Progresso?
A Litografia Progresso foi fundada a rua São Francisco antigo número 37, hoje 215, por Barãozinho do Cerro Azul, Alexandre Schroeder e meu pai, Rômulo Cesar Alves. O nosso telefone foi um dos primeiros, número 42. Com o advento da Primeira Guerra Mundial, por ser um dos sócios de nacionalidade alemã, nossa firma entrou para a Lista Negra das importações. Meu pai comprou a parte dele, acabou comprando a parte do outro sócio também, e afirma passou a ser individual. Até 1941 permaneceu razão social Rômulo Cesar Alves e aí mudou para Rômulo Cesar Alves & Cia Limitada com a admissão dos seus filhos como sócios. Mais tarde também foram admitidos outros dois sócios
(Nota: os outros nomes encontram-se rasurados no original, provavelmente a pedido).


2. Mas a litografia começou mesmo com outro nome, não foi?
Sim, em 1912 foi fundada com o denominação Schroeder & Cia Limitadada, paesar de ter já nesta época o nome fantasia de Litografia Progresso. Aliás, nesta época, não se dizia indústria gráfica, mas sim artes gráficas.

3. Como foi mesmo a saída do Schroeder da firma?
Havia o quebra-quebra, a Lista Negra dos americanos na época da guerra. Nós importávamos tudo e a Alemanha foi cortada das importações. Tendo um sócio alemão a firma não podia importar e praticamente não podia trabalhar. Então ficou só o meu pai, que era brasileiro.

4. Em outro depoimento foi contado que um dia o Schroeder chegou para trabalhar e viu seu nome cortado do letreiro da janela da firma, o senhor confirma?
Este caso ocorreu mesmo, eu lembro que meu pai contava. Foi por causa disto que ele resolveu desfazer a sociedade. Até o Brasílio Marques, filho do Generoso Marques, aconselhou meu pai a separar-se do sócio, porque estava sofrendo problemas imensos.

5. Mas ele chegou mesmo a sofrer algum problema?
Chegou, pois foi proibido de importar ...

6. Inicialmente a Litografia Progresso confeccionava que tipo de material?
Só rótulos. Depois é que foi evoluindo, aperfeiçoando, comprando maquinário e diversificando a produção.

7. E o equipamento, como era?
No ano de 1939 adquirimos um novo parque industrial, um prelo BB 76 x 96, o maior prelo de Curitiba, que imprimia uma folha inteira. Naquele tempo éramos especialistas em todo tipo de rótulos, fazíamos gráficos para a estrada de ferro, mapas para o Serviço Nacional de Terras e Geografia do Estado, e fomos, durante muitos anos, praticamente a Casa da Moeda do Paraná, fornecíamos os selos para a Secretária da Fazenda. Selos de consignação, selos de existência, (lei criada pelo interventor Manoel Ribas) e, selos adesivos. Fizemos também os antigos diplomas da Universidade Federal do Paraná, com patente nossa, um processo exclusivo de impressão em pergaminho. Mais tarde ainda, enriquecemos o parque industrial com um setor de tipografia para confecção de blocos, envelopes, papel de carta e notas fiscais.

8. A Litografia trabalhou com pedras até que ano?
Bem, depois das pedras ainda passamos para as chapas de zinco, porque as pedras eram importadas, e esta importação era difícil. Elas mediam de 10 a 12 cm de largura, eram pesadíssimas e complicadas. Devido ao uso excessivo, as pedras afinavam e a gente precisava colar, com uma cola especial, uma placa de mármore para poder utilizar o outro lado. Só depois é que utilizamos o offset, mas não posso precisar o ano.

9. A Litografia Progresso fornecia impressos só para o Paraná?
Fornecíamos do Amazonas ao Rio Grande do Sul, enfrentando aquelas dificuldades todas no despacho das mercadorias. Para o Norte, a gente embarcava via Paranaguá; esperava longos meses um navio costeiro ou do Loyde Nacional. A carga ia assim até Belém do Pará onde pegava a companhia que fazia o rio Amazonas, levando em média 120 a 150 dias para chegar em Manaus.

10. Aqui no Paraná, quais eram os clientes da Litografia Progresso?
Naquela época, o forte do Paraná era a indústria extrativista e especialmente o mate. Aquele engenhos tradicionais, dos quais só existem dois atualmente. A erva era exportada em barricas e os rótulos redondos, obedeciam a vários tamanhos: Inteiros, meios, quartos e oitatvos de barricas, cortados em máquinas especiais, tipo balancim. Imprimimos também etiquetas para balas de fábricas que nem existem mais como  Beneoito, Gianpaoli, Irmãos Sobania, João Marcassa, Pedro Kulo, Francisco Lashoski. Na parte de bebidas, tínhamos muito mais fábricas do que temos hoje. A antiga Atlanctica,o Rigolino, Cervejaria Providência, Cervejaria Brasileira, hii, eram muitas. Fábricas pequenas, mas realmente paranaenses. Havia uma indústria farmacêutica fazendo pasta dentifrícia, vinho reconstituinte, não havia os cartéis estrangeiros de laboratórios como há hoje.

11. Então a cliente era realmente grande ...
Muito grande. Em Curitiba, nós fazíamos a praça. Depois do almoços, nós os filhos pegávamos o carro da firma, um fiat, e um visitávamos um e outro, e era uma coisa. Nas fábricas de bebidas, por exemplo, obrigavam a gente a beber seus produtos.

12. E qual era o espírito da Litografia Progresso?
Meu pai, além de técnico, sempre teve um espirito muito progressista, sempre estava atualizando, e a litografia não era encarada como indústria, mas sim como uma arte.  Não havia um só operário que não fosse especializado, e a dificuldade era justamente esta: técnico. O maior celeiro destes profissionais era o estado de Santa Catarina. Quase todos os nossos operários vinham de lá e eram de origem alemã. Tanto assim, que muita gente pensava que nós também fossemos estrangeiros, apesar de meu pai ser de Paranaguá por quatro gerações. Naquela época, a litografia era explorada quase que exclusivamente por alemães, a própria litografia foi iniciada por alemães. Nosso serviõ, sem falsa modéstia era primoroso.

13. Seu pai aprendeu onde?
Ele foi aprendiz na antiga impressora Impressora Paranaense, no tempo de Jesuino Lopes. Ainda era garoto quanto começou a se interessar e aprender. Mais tarde, quando o Max Scrappe que tinha uma fábrica de linguiça em Joinville veio a Curitiba e comprou a Impressora, meu pai saiu e fundou a firme dele.

14. Então foi na Impressora Paranaense que ele conheceu o Schroeder?
Isto mesmo. Saíram os dois na mesma época. E precisaram de capital, porque naquele época as máquinas eram todas importadas da Alemanha. O Brasil era incipiente no setor, até as tintas eram importadas da França e também o papel. Mais tarde melhorou um pouco quando a fábrica de tintas francesa abriu uma filial no Rio de Janeiro, depois a Cromus em São Paulo, e depois ainda a Klabin, vendendo papel.

15. Qual era o setor de cada sócio?
Meu pai cuidava da parte do transporte, que um setor importante em se tratando de uma indústria gráfica. Existiam dois padrões de papel: o BB 66 x 96 e o AA 76 x 112. As máquinas antigas normalmente pegavam 76 x 96, a metade do papel. Dois centímetros de margem eram destinados a pinça, onde a máquina segurava o papel. A máquina era muito interessante. Havia uma moça marginadora, que colocava a folha na máquina. A pedra corria dentro de um carro. Atrás havia o tinteiro e na frente a mesa de feltro que trabalhava com água para evitar que o papel colasse na pedra. Tudo era automático: a moça colocava a folha, dava a volta, passava a pedra, outra moça tirava a folha e quando a pedra voltava passava na tinta. Meu pai fazia justamente a distribuição do impresso no papel porque nosso segredo estava justamente no racional aproveitamento do papel. Quando compramos a máquina grande, passamos a imprimir no papel inteiro. Havia então maior necessidade de se estudar a distribuição para não haver desperdício e consequentemente não encarecer o produto. A distribuição era tão cuidado, que não tínhamos aparas, assim mesmo, o pouco que juntava, nós pagávamos para o carroceiro levar embora, imagina se hoje faríamos o mesmo.

16. Quem fazia os desenhos dos rótulos na litografia?
Os desenhistas que eram chamados de cromistas. O freguês chegava lá, pedia o rótulo, explicava o produto e o cromista fazia o croqui. Naquele tempo existia, por exemplo, uma fábrica de saponáceo, e o rótulo eram simples em termos de ideia: uma panela, uma pessoa passando o saponáceo dentro, saindo uns brilhos para  fora ... O croqui era o desenho do róutlo feito a aquarela, e nele se definia o número de cores, complicado, porque cada cor era uma impressão, uma passa na máquina.

17. Onde os cromistas aprendiam a profissão?
Muitos cromistas de Curitiba aprenderam conosco. Eles tinham uma queda par ao desenho então, sem noção prática ou teórica, iam direto trabalhar. Primeiro dedicavam-se o preencher espaços pré-determinados, como exercícios para firmar a mão. Depois faziam retoques, e finalmente passavam aos primeiros rótulos, de uma só cor, que eram os mais simples. Quer dizer que nós mesmo formávamos nossos elementos.

18. Era muito complicado trabalhar com pedra?
Depois de desenhada a pedra ia para a seção de transporte onde o desenho era fixado e dava-se uma pequena saliência. Havia o preparo químico, muito complicado, onde a pedra recebia ácido, asfalto, maçarico, e cada cor era um trabalho à parte. Cada chapa de cada cor trazia cruzes nos pontos de referência. Estas cruzes deviam coincidir, senão dava maculatura, como o fantasma de televisão. Depois de utilizada, a pedra, os originais eram gravados em pedras pequenas chamadas de chapas, e as pedras grandes eram limpas com areia fina e postas no nível. Para isto a pedra precisava ser medida em todas as direções com réguas de ferro debaixo das quais passava-se um papel fino para constatar aos mínimas diferenças que deveriam ser acertadas. Isto era uma verdade arte, pois da precisão dependia o sucesso da impressão

19. O senhor fala muito em arte ...
Mas era a arte aplicada na indústria. Tanto assim, que a profissão de litógrafo não era litógrafo mas artista gráfico. No primeiro título de leitor do meu pai, começo do século, constava: profissão artista.

20. O Schroeder também desenhava?
Ele era um dos diretores, e os desenhistas eram os empregados. Mas meu mano lembra dele desenhando.

21. Lembra algum caso interessante relacionado especificamente com a confecção de rótulos?
Interessante ... As marcas de mate eram interessantes. Havia o Arminho, Cruz de Ferro, El Contrabandista, El Matador, Iguassu ... O mate El Matador mostrava no rótulo uma reprodução da carreta de Montevidéu e trazia escrito: “ a melhor gerba é trazida pela contrabandista”. O interessante é que as marcas eram de argentinos, uruguaios e chinelos; eles mandavam preparar a erva e depois vendiam lá. O rótulo do mate Real foi o primeiro que fizemos em relevo.

22. E sobre as etiquetas de balas?
A fábrica de balas do Gianpaoli tinha um tipo de bala de luxo, muito boa, finíssima que custava um tostão cada, e depois tinha umas balas com nome de mulher: Iris, Iná e Gioconda. Chegamos a fazer balas Zequinhas, e muitas outras balas de coleção: Estudante, Mutt and Jeff, eoutra não lembro o nome, que juntando os invólucros a criança formava um quebra cabeça. Sempre havia uma figurinha que era chamada de difícil e custava para completar a figura. Dizia-se, inclusive, que quem comprasse cinquenta balas, ganharia uma difícil, então o sonho da gurizada era arrumar dinheiro para comprar as cinquenta. Só que estas balas eram pura água e açúcar. Ah, tentamos também fazer as balas Chico Fumaça, mas não pegou.

23. Lembra algum prêmio ganho pela Litografia Progresso?
Lembro de um, numa exposição internacional em Montevidéu no ano de 1922, Ganhamos uma medalha de ouro e uma menção honrosa.

24. No inicio o senhor disse que a litografia fazia praticamente todos os selos do Estado. Porque?
Eram realizadas concorrências para São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná e nós tínhamos qualidade, honestidade e preço. A confecção dos selos era acompanhada de perto por funcionários da Fazenda que permaneciam dentro da Litografia.

25. E qual era a função destes funcionários?
Para que não fossem falsificados selos. No final do dia para a pedra não para sofrer interferências, eram cobertas com verniz e postas para secar, e o pessoal da Fazenda assinava em cima, para evitar falsificações. Isto era uma bobagem, porque éramos desenhistas e seria fácil para nós, desenhar uma assinatura ... De qualquer forma, os funcionários ficavam oito horas na Litografia, acompanhando todas as fases da confecção dos selos. Até tivemos um problema. É que os funcionários queriam começar a trabalhar às nove horas da  manhã, nós começávamos às sete e não queríamos deixar as máquinas paradas por duas horas. Chegamos a falar com o secretário da Fazendo e depois disto, passamos a pagar, do nosso bolsa, duas horas de salários para que os funcionários da Fazenda chegassem às sete horas.

26. E quem criava os selos?
O pessoal da Litografia, meus manos e eu. E tínhamos muitos catálogos para tirar ideias.

27. A litografia tinha trabalho o ano inteiro?
Nós só trabalhávamos sob encomenda, com “o pedido no prego”, como chamávamos. Havia uma época que chegávamos a trabalhar com duas turmas, 16 horas por dia. Havia outros, no entanto, em que resolvíamos fazer modificações, desmontar máquinas por falta de trabalho.

28. Estas paradas tinham caráter cíclico?
Tinham sim, como reflexo da safra de mate.

29. Mas chegava a ocorrer crise?
Não. Todos os produtos fabricados na época precisavam levar a etiqueta, “indústria brasileira”, que era verde amarela. As firmas já aproveitavam para por nome, endereço, telefone. Quer dizer, toda indústria era um cliente em potencial porque não podia ficar sem impressos.

30. Bem no inicio, a Progresso enfrentava muita concorrência?
Naquela época, em litografia só trabalhávamos nós mesmos e a Impressora Paranaense. Pouco mais tarde surgiram outras. Nós tivemos um acordo com a Impressora Paranaense e compramos em conjunto uma gráfica em Blumenau, Empresa Gráfica Catarinense S.A. Isto foi no ano de 1939. Eu fui então para lá, permaneci por seis meses e fiquei chocado porque tudo era em alemão. Só a contabilidade era feita em português ... Até o aviso da porta, “proibida a entrada” era em idioma estrangeiro e eu tive que aprender na marra. Imediatamente a minha chegava disse que precisávamos mudar aquele norma e um dos funcionários falou: “É bom ir devagar se não vai criar problemas”. Agora recentemente quando fechamos a Litografia Progresso, vendemos nossas ações para a Impressora Paranaense.

31. A gráfica existe hoje? E seu nome foi mantido?
A gráfica ainda existe, só que passou a ser filial da Impressora Paranaense.

32. A parte do Schroeder na Litografia Progresso, qual era?
Era responsável por toda a parte de impressão, lidava com as pedras, mistura de cores, os tons. Naquela época vinham só as cores básicas e nós mesmos é que tínhamos que diluir, moer a tinta e preparar os tons.

33. E os rótulos e impressos com dourado, eram muito complicados? Parece que era o luxo ...
Eram impressos em verniz e para dourar passava-se um chumaço de algodão com purpurina. Acontece que nestas ocasiões todos os operários, máquinas e material ficavam cobertos pelo pó que se espalhava no ar. A pessoa que faria o trabalho precisava usar panos no rosto para se proteger. Era uma loucura, o que se perdia de purpurina não era brincadeira. Bem por isto, estes rótulos custavam uma fábula, exigiam um verdadeiro trabalho chinês. Mais tarde apareceram as primeiras máquinas que sacudiam o pó e passavam umas escovas em cima dos rótulos, simplificando um pouco. Do final tínhamos outra máquina mais moderna que oferecia também a vantagem de não desperdiçar a purpurina que reaproveitada através de exaustores.

34. Logo no inicio o papel nacional era bom?
Olha, algumas vezes tivemos problemas com o papel nacional. Você sabe que entra muito água na composição do papel. Pois bem, as vezes a água tinha muita areia e quando o papel passava na máquina os resíduos prendiam no rolo e danificavam a pedra. Então tínhamos que limpar este papel na maquina de dourar, sem dourar, aproveitando as escovas. Era um trabalho infernal ...

35. E porque afinal foi fechada a Litografia Progresso?
Havia dificuldade de se encontrar técnicos, pois hoje em dia ninguém quer se aprofundar nas coisas. Além disto, a indústria gráfica sofreu grandes transformações. Lembro que foi criado um grupo de comprar pelo Governo Federal para sanar as dificuldades de importação. Depois do grupo houve uma facilidade tão grande na importação de maquinário, à ponto de em São Paulo, quebrar uma gráfica por dia: muita concorrência desleal. Além disto, nossos sócios eram muito velhos, eu era o mais moço e não era técnico e a indústria gráfica não podia fazer sem o técnico. Hoje não, porque tudo é eletrônico, há o fotolito, desapareceu o artista. Chegamos a construir um prédio novo na frente da litografia, mas foi na época da guerra e havia muito dificuldade para importação. Quando acabou a guerra meu pai já estava doente e não nos animamos para uma nova aventura. Precisaríamos construir um novo prédio, agora fora do dentro da cidade, o que implicaria em grande capital,, e não havia um elemento novo que quisesse tocar a litografia. Porque a pessoa tem que viver a coisa. A Litografia é uma indústria muito bonita, você vê a ideia no croqui, depois a evolução para o croqui definitivo e finalmente a impressão, com o resultado do trabalho. Além disto, é uma indústria muito ingrata. Se ocorre um erro, joga-se tudo fora, não dá para vender para mais ninguém ...

36. E como era seu pai como pessoal?
Ele era excepcional, pai e amigo. Muito trabalhador, com uma tenacidade tremenda, um verdadeiro escravo do trabalho. Casou-se em 1903, morava na rua Paula Gomes e usava o trem de burro que ia da praça da Ordem até o Batel. Quando não o tostão da passagem lhe fazia falta e por isto trabalhava durante o  dia na Impressora e à noite no Correio. Deixou alguma coisa para os filhos e principalmente um nome muito limpo.

37. O senhor e seu irmão começaram a trabalhar cedo na litografia?
Meu irmão mais velho começou muito cedo, fez a escola prática do comércio e entrou na firma. O outro também. O Telange trabalhou até 1935 quando formou-se em Engenharia e passou alguns anos em São Paulo. Como precisava de mais gente, eu acabei do ginásio, fiz o curso de Perito Contador e comecei a trabalhar com o meu pai, em 1935, aos 16 anos de idade.

38. O senhor ficou diretamente ligado a Litografia até que ano?
Até o final.

39. Por favor, seu nome e data de nascimento.
Eros José Alves. Nasci na rua Floriano Peixoto no dia 19 de março de 1920. Sou o mais moço de seus filhos, quatro homens e duas mulheres. Agora, no entanto, só estamos em três.

40. Lembra mais algum caso interessante?
As histórias são tantas, no entanto é difícil lembra-las assim. O Acyr Guimarães, por exemplo, um dos funcionários da Gazeta do Povo, foi vendedor da Litografia Progresso. Fizemos capas de livros inclusive para o Romário Martins, Sebastião Paraná ...

41. Seus fregueses costumavam distribuir brindes?
Havia em Curitiba uma bebida suis generis “Sinalco” que distribuía uns cálices de cristal da Bohemia com o nome gravado, ficou lindo. Mas os brindes eram principalmente calendários, familiares e comerciais. O segundo era grande, e o primeiro geralmente com figuras e reprodução de quadros.

42. O consumo de purpurina era muito grande?
Aconteceu inclusive um caso engraçado. Uma vez importamos de uma firma americana duas toneladas de purpurina por talvez 8 contos de reis. Quando o fornecedor viu que nosso capital era de doze contos de reis, estranhou, e mandou uma carta perguntando como podíamos gastar tanto só com a purpurina. É que naquele tempo não havia credito em aberto; comprava-se a mercadoria e sacava-se uma letra de câmbio para 180 dias. Quer dizer, quase que se pagava com a utilização da própria mercadoria comprada. Outro caso ocorreu quando a purpurina chegou a porto de Paranaguá. Por erro de despachante, veio escrito que se tratava de ouro em pó, mas outro mesmo. Olha, foi uma luta. O porto embargou a mercadoria, tivemos que tirar uma amostra, não havia laboratório em Curitiba e então o material foi enviado a Porto Alegre para ser examinado. Isto ocorreu por volta de 1930, 1931 ...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Entrevista: Cesar Pinto Junior fala sobre a Sociedade Metalgráfica.

Cesar Pinto Junior foi apontado pela própria direção da Fábrica Fontana para falar sobre a Sociedade Metalgráfica. O depoimento foi gravado no dia 15 de setembro de 1975. Nele, o senhor Cesar, conta certos episódios que presenciou no período entre 1929 e 1935 quando trabalhou na empresa como contador, e na qual admite, com muita franqueza não ter conhecimento sobre certos fatos referentes a litografia.

Demonstra boa vontade. Faz inclusive um contato com Constante Moro, a pessoa mais indicada para falar e que, infelizmente encontra-se em restabelecimento de uma intervenção cirúrgica sem condições de atender a solicitação da Casa Romário Martins.

Cesar Pinto Junior explica, por exemplo, porque a Sociedade Metalgráfica foi criada, fala sobre a fabricação da decalcomania e mostra a importância dos alemães, Alexandre Schroeder e Germano Henrique Kirstein, na introdução da decalcomania no Brasil.
Entrevista cedida a Rosirene Gemael, e transcrita do original datilografado por Alan Witikoski para pesquisa. Disponível para consulta na Fundação Cultural de Curitiba.

1. Em primeiro lugar queríamos o seu nome completo. 
Cesar Pinto Junior. 

2. O senhor trabalhou na Sociedade Metalgráfica em que período? 
Do ano de 1929 a 1935 

3. Qual era a sua função, então? 
Bem, quando eu sai de lá já era contador. Mas entrei como auxiliar de escritório e depois fui caixa. Saí da Sociedade Metalgráfica para vir trabalhar na Fábrica Fontana, daí ligado ao mate e não mais a litografia. 

4. Apesar de ocupar o setor administrativo, o senhor teve muito contato com o pessoal da litografia? 
Estava sempre em contato com eles porque a fábrica era praticamente junto ao escritório e, eu geralmente estava girando pela fábrica, vendo todo o movimento. 

5. Lembra quais eram os clientes da Sociedade Metalgráfica na época de trabalhou lá?

Em primeiro lugar estava a Fábrica Fontana, para a qual fazíamos todo o material impresso, inclusive as embalagens. Mas fazíamos também, para o Leão Junior, Cervejaria Atlanctica, Cervejaria Adriática, Emilie Van Linzeng de Rio Negro, que era ervateiro, e muitos fabricantes de cera e pasta para calçados entre eles o Alfredo Muller e Fábrica Kosmos. Faz muito tempo, é difícil recordar, eu sei que havia mais.

6. Pode-se dizer que a Sociedade Metalgráfica foi criada para suprir de rotulagem e embalagem a Fábrica Fontana?
Não só a Fábrica Fontana como também outra. Porque o Leão Júnior também era sócio da Metalgráfica. Mas o principal motivo da criação da firma foi mesmo o ramo de decalcomanias. No princípio o movimento de vendas neste setor não era muito grande porque o público desconhecia o produto. Além da decalcomania, trabalhamos também com litografia em papel-rotulagem e estamparia-confeccionando latas impressas. Falando nisso lembrei de outro cliente nosso, Senegaglia. Ele recebia folhas de Flandres impressas por nós e depois confeccionava a lata.

7. Pode nos contar como se deu a formação da Sociedade Metalgráfica?
Isso foi bem anterior a minha entrada na firma, quem poderia contar bem é o Constante Moro. Mas pelo que ouvi contar tenho a impressão que o senhor Francisco Fide Fontana conheceu os dois, Schroeder e Kirstein, gostou muito do trabalho deles e teve a idéia de montar uma firma abrindo sociedade com os principais prováveis clientes dos produtos que a fábrica iria produzir. Então, foi formada a sociedade incluindo os dois alemães, para suprir os demais industriais sócios não só de rotulagem como também de embalagem. É que naquele tempo as fábricas de erva-mate usavam barricas e havia necessidade dos rótulos que eram selados na tampa, para diferenciar as várias marcas de produto. Eram estes rótulos que a Metalgráfica fornecia especialmente aos ervateiros.
8. O senhor lembra de nomes de litógrafos que tenham trabalhado na Sociedade Metalgráfica?
Isto está difícil ... Faz muito tempo ... Lembro do André Baus, o próprio Constante Moro, o momento não lembro de outros. Espere um instante, vou tentar localizar o arquivo de funcionários (pausa). Infelizmente ninguém sabe onde este arquivo se encontra. É uma pena.

9. E a respeito da dupla Schroeder e Kirstein, o senhor os conheceu pessoalmente? Como era o trabalho deles?
O Schroeder era uma ótima pessoa, bom, muito bom desenhista, apesar do defeito que tinha na mão, um defeito no dedo. Trabalhava muito bem e todos os seus desenhos eram perfeitos.

10. Parece que o Schroeder foi o primeiro chefe da seção litográfica da Metalgráfica, o senhor concorda?
Bom, o Schroeder cuidava da parte de desenho. O chefe da fábrica mesmo era o Kirstein. O Schroeder cuidava não só dos desenhos que eram depois submetidos a apreciação dos clientes como também da confecção das chapas de impressão. Naquele tempo o desenho era feito diretamente nas pedras, que iam para os prelos, depois de devidamente preparadas.

11. E a respeito de Kirstein?
Ele conhecia muito bem o processo de litografia, era um ótimo técnico inclusive da parte de decalcomania, que não deixava de ser litografia, só que em papel especial. Inicialmente, o Kirstein fazia também o orçamento de todos os pedidos da fábrica, mas com a evolução dos negócios, ele ficou só com a parte técnica e o gerente é que tomava conta desta parte. Quando entrei na firma, o diretor gerente era o Manoel Francisco Pereira que também era sócio, e que algum tempo depois foi substituído pelo Dr. Álvaro Junqueira Junior, que ficou muitos anos no cargo.

12. Alguns depoimentos colocam que o Schroeder teria sido um inovador na litografia do Paraná. O senhor concorda?
Penso que sim. Não posso dar resposta afirmativa porque ele trabalhava em um setor do qual era estava afastado. Mas ele tinha muitas ideias originais e calculo que tenha sido um dos inovadores.

13. Algumas pessoas apontam o Schroeder e o Kirstein como introdutores da decalcomania no Paraná e no Brasil. O senhor concorda?
Sim, no Brasil inteiro. Foram eles que introduziram a decalcomania, produto que eles já conheciam na Alemanha, antes de virem ao Brasil.

14. A fabricação inicial teria ocorrido antes mesmo da criação da Sociedade Metalgráfica?
É, no estabelecimento deles, antes da Metalgráfica, na firma Schroeder e Kirstein. Uma fábrica pequena, ali a decalcomania foi produzida pela primeira vez.

15. O senhor chegou a conhecer esta fábrica?
Esta eu não conheci pessoalmente porque deve ter sido criada mais ou menos em 1919 e eu comecei a trabalhar na Sociedade Metalgráfica apenas em 1929.

16. Apontaram que a Sociedade Metalgráfica teria sido o primeiro estabelecimento a imprimir latas no Estado. Esta afirmação procede?
Isto eu não posso afirmar. Quando comecei a trabalhar, se não me engano já existia a Metalgrafica Pradi, contudo não sei se a Metalgráfica foi a primeira.

17. Como já lhe citei em conversa, estranhamos muito o fato de que os jornais da época atribuem quase que só a Kirstein a introdução da Decalcomania no Paraná. Existia alguma razão para isto?
Desconheço. O que pode ter acontecido é que o Kirstein tinha mais contato com a clientela e por isto era mais conhecido. Porque o Schroeder trabalha na parte de cima da fábrica, e os primeiros contatos com os clientes eram feito só pelo Kirstein. Eu atribuo a isto. Agora não sei se efetivamente ele era mais responsável, ou se era o conjunto.

18. Inclusive pode ter pesado o fato de Kirstein ter morrido muito mais tarde que o Schroeder ...
É, o Kirstein morreu bem mais tarde, e trabalhou na firma até morrer.

19. Qual teria sido o ponto alto da produção da Sociedade Metalgráfica: Lataria, rotulagem ou decalcomanias?
Inicialmente era as latas que foram fabricadas até ocorrer a incorporação da Sociedade Metalgráfica às Fábricas Fontana. Depois é que venderam o maquinário de estamparia e se limitaram a litografia incluindo aí a decalcomania. 

20. Em que época ocorreu o auge da venda de decalcomania? Parece que no começo houve muita dificuldade na comercialização do produto ...
No começo, de fato, havia certa dificuldade porque o produto era desconhecido. Mas, com o passar do tempo, os produtos da Metalgráfica tornaram-se bastante conhecidos no Brasil inteiro. Mesmo pedidos pequenos, recebíamos de todos os cantos do país. O grande cliente em decalcomanias, no entanto, era São Paulo. Quanto a fase área, não posso dizer, porque poderia ter ocorrido justamente depois que saí da firma.

21. Que tipo de decalcomania era mais produzida no início?
Decalcomania a água. Naquele tempo fazíamos mais decalcomania a água e muito pouco para cerâmica.

22. E nesta época a decalcomania destinava-se especialmente a fins decorativos, de cunho didático para crianças, ou para a publicidade?
Inicialmente a decalcomania se destinava as crianças. Mas, logo em seguida, foi iniciada a decalcomania como propaganda e também existiam fins decorativos.

23. E qual destes tipos firmou-se mais?
Não posso dizer isto, calculo que o desenvolvimento tenha sido igual, dos três tipos.

24. Á partir de que época a Sociedade Metalgráfica encontrou concorrente na produção de decalcomania?
Isto eu desconheço pois é posterior a minha saída da firma. Este assunto também o Moro informaria. Quer que arrisque um telefonema para ele? 
─ (Eu tentei ligar ontem novamente. Ele continua doente. Ficaram de me dar uma resposta na próxima semana, se ele fará ou não o depoimento)

Descrição da gravação do telefonema de Constance Moro cedida a partir da solicitação de Cesar Pinto Junior, autor das perguntas.

[Moro] Sei, então os litógrafos eram Schroeder, Rodolfo Doubek, Rodolfo Korbel, havia mais um, sim o Leonardo Born. Isto. (pausa). No começo era decalcomania a água e um pouco para cerâmica ... A cerâmica foi iniciada no ano de 1940. Anteriormente era só a água. (pausa). Ah, e à fogo também, e também à quente, agora estou lembrando, para colocar em roupa, isto.
[Cesar] Agora você me diga uma coisa: a decalcomania à água, vendia-se uma parte com finalidade decorativa e outra parte para criança, não é?
[Moro] Isto, figurinha para tirar, a tradução em alemão ...[Cesar] Qual era a parte maior sem considerar a propaganda?[Moro] Ah, a decorativa foi maior.
[Cesar] A decalcomania para propaganda foi bem mais tarde, não é?
[Moro] Mais ou menos em 1932─1933.
[Cesar] Sim, é claro, faz muito anos. Não tem importância não quero te incomodar.  É ela me disse tentou falar com você, e você não estava muito bem. Olha, eu não quero te incomodar, vá descansar, qualquer dia nós conversamos. Um abraço para você Constance. Não, ela compreende, eu expliquei o caso a ela. Obrigado, um abraço. 
(retomando, após a conversa com Constance Moro)
Olha, havia mais dois tipos de decalcomania que eu não lembrava, à fogo e à quente. Fazíamos também, monogramas, assinaturas, marcas, fizemos a marca da Arpp de Joinville à quente para ser pregada nas meias.

25. Como o senhor coloca o trabalho de Schroeder e Kirstein no sucesso alcançado pelo Sociedade Metalgráfica?
Eu acho que ali o trabalho e a responsabilidade dos dois era igual. Cada um no seu setor contribuía em pé de igualdade para a expansão da firma.

26. Eu quero dizer, que eles eram elementos de peso da ...
Elementos chave, elementos chave na parte de produção.

27. E eles eram bons profissionais?
Bons profissionais, responsáveis, e com muitas boas ideias. Ambos tinham boas ideias.

28. A Metalgráfica costumava manter turmas de aprendizes visando formar seu pessoal?
Em geral, quase todos que entravam lá, entravam praticamente aprendizes. Eu me lembro inclusive do caso de Doubek que já era desenhista, mas não estava acostumado com litografia e foi aprendendo até chegar a ocupar o lugar de Schroeder, quando o segundo afastou-se.


29. E neste caso, quem era os mestres?
Bom, naquele tempo não era como hoje, mestre e aluno. Todos ensinavam e todos aprendiam uma coisa ou outra. Hoje existem escolas de formação profissional que não existiam então. Todos aprendiam dentro da própria empresa, e todos partiram de Schroeder e Kirstein que eram os mestres em seu setor.

30. Quem dava a ideia para um rótulo de litografia?
Bom, isto é relativo porque antigamente o industrial estudava um desenho que queria fazer, e dava as indicações para os litógrafos. Outras vezes, o próprio litógrafo dava ideia que o industrial aprovava ou não. Hoje é tudo muito diferente, mais fácil, porque existem firmas de publicidade que já entregam o layout pronto para a impressão.

31.O litógrafo então precisava ser uma pessoa criativa ...
Precisava, além da habilidade para desenhar precisava ter criação.

32. Lembra de algum rótulo ou cartaz especial feito pela Sociedade Metalgráfica?
Eu me lembro de uns quadros, decalcomania sobre madeira, para propaganda de uma marca de chapéu. Esta decalcomania imitava tipos de madeira-caviuna, peroba. Os quadros ficavam expostos nas casas de comércio. Isto foi muito marcante na época. Também fizemos para a Cervejaria Adriática uns cartazes em folha, com a impressão de uma garrafa cheia de cerveja com a seguinte inscrição: “Pão líquido”.

33. Lembra de algum prêmio ganho pela Sociedade em exposições de produtos gráficos?
Em quase todas as exposições ganhávamos prêmios. Este prêmios eram diplomas, mas que não existem mais.

34. Qual o aspecto que o senhor acha importante a ressaltar no trabalho da Sociedade Metalgráfica?
O mais importante para mim, é o fato da Sociedade ter sido pioneira na decalcomania. Baseada na Metalgráfica foram fundadas diversas firmas especializadas neste tipo de propaganda, muitas delas até hoje em ótimas condições.

35. É verdade que a maioria dos litógrafos e mesmo técnicos eram de origem alemã?
Sim, praticamente todos eles. Ou eram naturais da Alemanha ou eram filhos de alemães. Além disso, a Sociedade recebia da Alemanha muitos folhetos, livros sobre o assunto.

36. Tem notícia de alguma mulher litógrafa na Sociedade?
Não nenhuma.

37. Mas havia mulheres trabalhando na litografia?
Havia. Elas trabalhavam nas máquinas, na escolha (escolha do material em perfeitas condições). As mulheres inclusive eram numerosas, só que ocupavam funções secundárias.


38. Muitas litografias viram-se, no inicio diante da necessidade de buscar técnicos no estrangeiro. O mesmo ocorreu com a Sociedade?
Não que eu tenha conhecimento.

39. Sabe o porquê da saída de Schroeder da Sociedade Metalgráfica?
Não posso afirmar, mas tenho a impressão que ele já andava doente e devido a isto deve ter pedido o seu afastamento.

40. O Kirstein permaneceu na firma até o final de sua vida?
Permaneceu.

41. Algum tipo de trabalho foi preservado pela Fábrica Fontana, referente a Sociedade?
Diversos, mas infelizmente foi tudo destruído pelo incêndio.

42. Este incêndio ocorreu em que data?
No dia 22 de março de 1975.

43. E de lá para cá as atividades continuam paralisadas?
Sim, continuam.

44. E qual será o destino da Fábrica Fontana?
Ainda não podemos afirmar nada de positivo. Tudo depende da liquidação do seguro. Apareceram alguns problemas, houve demora, e ainda falta liquidar uma parte que envolve máquinas de importação. Tivemos que fazer um estudo, atualização de preço destas máquinas ...

45. Como se explica a incorporação da Sociedade Metalgráfica pelas Fábricas Fontana?
Bom, acharam que seria mais prático, uma vez que havia muita ligação e praticamente os sócios de um estabelecimento também eram sócios do outro. Acharam mais prático fazer a incorporação que iria melhorar a administração, com mais possibilidades na parte da produção. E também, as instalações da Sociedade estariam melhores aqui, junto a Fábrica Fontana do que no prédio antigo.

46. Qual foi o primeiro endereço da Sociedade Metalgráfica?
Avenida João Gualberto, n.º 113, funcionava a fábrica, escritório e havia também uma residência no primeiro andar, geralmente ocupada por um funcionário.

47. A mudança de endereço ocorreu por ocasião da incorporação?
Não, já havia mudado antes, mas em caráter provisório.

48. No inicio de suas operações a Metalgráfica tinha muitas litografias concorrentes?
Se não me engano, apenas havia a Litografia Progresso, a Impressora Paranaense e não sei se já havia a Metalgrafia Pradi.

49. O trabalho da litografia estava sujeito a fases cíclicas em decorrência da safra de mate?
Isto de fato ocorria no que diz respeito ao fornecimento destinado aos exportadores de mate. Fora disto, havia outros clientes com serviços sistemáticos.

50. E a respeito de fornecimento de papel, como se processava?
Normal, sem problemas, como também não havia problemas no fornecimento de folhas de Flanders, e nas tintas, apesar de ser tudo importado.

51. Mais algum detalhe que o senhor queria citar?
Não. Tudo já foi tido, espero que seja suficiente.


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Breve análise: Dijon de Moraes, Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem.

Capítulo 2 – Um novo país industrializado 1960-1970.  

Dijon de MORAES, em seu livro Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem, busca uma análise crítica sobre a instituição no Brasil do design. Para isso, parte da concepção de que o design no Brasil tem sua origem na fundação das primeiras escolas de design, alinhando-se com o discurso de Lucy NIEMEYER (1997) e, de certo modo, se opondo a perspectiva de pesquisas apresentadas por CARDOSO (2004, 2005). Em alguns momentos, MORAES, até procura reconhecer a possibilidade de algumas iniciativas relacionadas ao design, porém deixa-as em segundo plano de discussão, se concentrado a partir da análise de meados até o fim do século XX.

Sua escolha é cronológica do mais antigo ao mais recente ─ se inicia com a formação, influencias e consolidações de uma estrutura de ensino de design no Brasil.  

O papel dos militares e das multinacionais. 

MORAES promove uma análise sobre como a política adotada pelo regime militar impactou no desenvolvimento industrial do país. Este argumento é importante, pois explica vários acontecimentos posteriores vivenciados pelo design brasileiro. 

Apesar da postura considerada de direita, e até mesmo nacionalista, MORAES revela que a ideia de industrialização com base em incentivos adotada pelo governo, principalmente por meio das indústrias multinacionais, como: doação de terrenos, diminuição de impostos, e possibilidade de envio de lucros ao exterior, incentivou um estilo de industrialização danoso à integração do design-indústria. 

MORAES aponta que a corrida da industrialização brasileira ocorre de modo acentuado entre 1967 e 1973, como um surto de industrialização como cita FAUSTO (1995) e MENDONÇA (1995). Os planos de desenvolvimento e industrialização visavam transformar o Brasil no “país do futuro”, porém, não de um modo sustentável, e apenas para uma parcela da população. Fato, apontando por MORAES, é que a industrialização acentuou as diferenças sociais, e deve benefícios concretos apenas para uma parcela da população, originando uma “classe média”, responsável pelo fortalecimento do mercado interno.

As empresas multinacionais instaladas visavam o lucro rápido, o que era facilmente obtido com a criação de uma política fiscal ”generosa”, somada a um controle da mão de obra ─ enfraquecimento dos sindicatos ─, baixos salários, nenhuma exigência de desenvolvimento de produto e um mercado interno, pouco crítico ─ o que importava era o menor preço, e não a qualidade. 

Nos setores industriais em que as multinacionais, por inúmeros motivos, não consolidaram sua presença, coube a figura do governo investir como telefonia, transportes, portos, geração e distribuição de energia etc.

MORAES ressalta a necessidade de investimento em infraestrutura, financiados pelo governo, o que aumentou o grau de endividamento do Brasil no exterior, aumentando, consequentemente, a chamada “dívida externa”. 

Uma perspectiva, não abordada pelo autor, é de como se deu o processo de desenvolvimento tecnológico no Brasil no período, tendo o governo como grande incentivador e investidor, e por meio de obras grandiosas, como a Usina de Itaipu e a Transamazônica, procurava transmitir um ideal de Brasil “moderno”, do “país do futuro”.

Industrialização e modernidade.  

A industrialização promove uma revolução sociocultural na medida em que novos hábitos de consumo, comportamento, alimentação e vestimenta são incorporados à forma de vida e hábitos de uma população. A industrialização e a “modernização” caminham lado a lado. 

Até 1960, apenas 20% da população brasileira vivia nas cidades. A industrialização gerou uma urbanização acelerada, que desencadeou a violência urbana e o caos social nas cidades com o aumento de periferias e favelas. 

Na atualidade, mesmo com o fenômeno da agroindústria, observa-se que tanto nos países industrializados quanto nos Novos Países Industrializados, “ainda se mantém uma grande diferença percentual em favor da indústria e do serviço em detrimento da agricultura” (MORAES, 2009, p. 100).

O design no contexto de uma industrialização forçada.

O milagre econômico brasileiro gerou uma grande expansão no mercado e fez com que empresas privadas locais destinassem a sua produção somente ao mercado interno. Com isso, o desenvolvimento do design nacional foi afetado, pois as empresas brasileiras não se deparavam com os desafios do confronto e da competição do design internacional. 

Ao contrário do que ocorre na esfera produtiva da indústria, no âmbito acadêmico, o design desenvolve-se acentuadamente por toda a década de 1970. 

A pequena parcela de brasileiros que podia consumir em larga escala o que era produzido, valorizava o preço baixo em detrimento do design e de outros valores agregados e percebidos nos artefatos industriais (MORAES, 2009, p. 102). Por essa razão, as multinacionais estabelecidas no Brasil adotaram a prática de abastecer o mercado brasileiro com produtos baratos e obsoletos dos seus países de origem. Era a chamada prática do down grade, eliminação de partes ou componentes de maior custo dos produtos diminuindo, com isso, a qualidade final. 

Não existia um departamento próprio de desenvolvimento de produtos com designers locais nas empresas multinacionais que operavam no Brasil. O que existiam eram departamentos de projetos e de engenharia responsáveis pela adaptação dos produtos vindos do exterior à realidade brasileira. Essa “adaptabilidade e redesenho” de produtos vindos do exterior era conhecida pelo slogan “tropicalização do produto”. 

A “tropicalização do produto” provocou o empobrecimento do design, pois além de reforçar a cópia de produtos do exterior na esfera local, também distanciava o consumidor do acesso a qualidades inerentes ao produto. 

Diante disso, “o ensino apresenta-se aos designers brasileiros como a melhor alternativa para colocar em prática as suas próprias percepções e conceitos experimentais da atividade de design” (MORAES, 2009, p. 105).

 A vinda das multinacionais trouxe uma grande transformação quanto à inovação produtiva e à gestão do processo de produção em série, mas o design foi pouco desenvolvido no âmbito dessas empresas. As empresas locais acabaram sendo influenciadas pelas multinacionais na aplicação do mimetismo fabril e tecnológico. 

De acordo com VERGANTI (1999, apud MORAES, 2009, p. 109), existem várias motivações que podem induzir à inovação dos produtos industriais: fatores estratégicos, de mercado, tecnológicos e normativos. Tais fatores não foram observados pelas multinacionais estabelecidas no Brasil nessa época. A estratégia destas empresas era o lucro fácil e rápido. 

O efeito – positivo e negativo – das multinacionais em território brasileiro proporcionou profundas alterações na cena brasileira. Ocorreu uma “ocidentalização do Brasil”, na qual os países mais industrializados enviavam ao Brasil, por meio das multinacionais, modelos produtivos que não poderiam mais ser utilizados nos seus países de origem, com larga margem de lucro, poluição e descaso com o impacto ambiente e exploração de mão-de-obra (MORAES, 2009, p. 110). 

Todas essas transformações sociais vindas com a industrialização são conseqüências diretas da modernidade, promovendo a ordem e o caos no Brasil.

É importante ressaltar que MORAES, aparentemente na escolha de seu discurso, não contemplou exemplos que figuram na contra mão de suas afirmações, mesmo que de modo pontual, porém que instigam a pensar que poderia ocorrer um movimento de interação entre este design exterior, sua tropicalização e a cultura local. Citando alguns exemplos destas práticas: A concepção e fabricação de automóveis considerados “fora de série”, Puma, Santa Matilde, Bianco, GTB, Adamo etc ; automóveis desenvolvidos no Brasil; como VW Brasília, Variant, Passat; GM, Chevette, lançado 6 meses antes do que seu similar europeu o Kadett , e o caso da Gurgel, com o BR800. Do mesmo modo pode ser observado o desenvolvimento de centros de desenvolvimento, que na sua tropicalização do produto, acabavam tornando-o único, diferente do restante do mundo, e contaminado por características locais. Um dos casos que pode ser citado é das lavadoras de roupas, a entrada de roupas na maioria das vezes é superior, e mesmo numa tentativa da entrada lateral, mais comum em outros países, não foi bem aceita no mercado nacional, sendo mantida a entrada superior.

Seriam casos interesses que ocorreram na indústria “nacional” empresas multinacionais com filiais no país que poderiam entrar na análise de Moraes como um movimento de resistência, mesmo que tímido, do design nacional, transmitido por meio de sua cultura, afetando e configurando o artefato projetado. 

Referências:
NIEMEYER, Lucy. Design no Brasil: origens e instalação. Rio de Janeiro: 2AB, 1997.
CARDOSO, Rafael. O design antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do Design. Edgard Blücher. São Paulo, 2004.
MENDONÇA, Sonia. A industrialização Brasileira. São Paulo. Moderna. 1995.
FAUSTO , Boris. História do Brasil. São Paulo. Edusp. 2 ed. 1995.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Considerações: A circulação de imagens no Brasil oitocentista: Uma história com marca registrada.

Este texto é uma produção de Lívia Lazzaro Rezende. Inicialmente é apresentado o cenário dos primórdios da produção gráfica brasileira nos tempos do Império do Brasil. Este panorama começa a ser traçado com a inserção do registro de marcas para quem quisesse tornar exclusiva a marca de seu produto para distingui-la dos outros do mercado. Para tal ação, bastava comparecer até a Junta Comercial, o proprietário da marca ou seu procurador, levando consigo dois exemplos impressos da marca a ser registrada.

Depois de cuidar dos tramites legais, era devolvido ao proprietário um exemplar carimbado como prova do registro. O outro exemplar era colado em um dos livros-registro, e posteriormente, publicado no diário oficial ou em algum jornal de grande circulação.

Estes livros-registro contêm exemplares significativos sobre a produção gráfica brasileira oitocentista. De acordo com a autora, por meio destes exemplos é possível observar diferentes características dos logotipos e rótulos produzidos no Brasil no período Imperial, além de seu processo de produção.

Lívia parte dos livros-registros para dar diversos exemplos, principalmente por meio de rótulos impressos no sistema litográfico, para apresentar alguns detalhes de como a produção gráfica brasileira oitocentista era rica, variada, com técnicas semelhantes às aplicadas no exterior, além de dialogar com o contexto cultural do período. 

Assim, Livia apresenta a perspectiva de como os elementos gráficos e os motivos aplicados nos rótulos, possuem vestígios do contexto histórico/cultural vigentes na época do Brasil Império. Nestes rótulos é possível detectar uma concepção liberal e progressista, paradoxalmente organizada em torno de um sistema escravocrata; a figura do bom selvagem; doses dos movimentos artísticos, como o Neoclássico; um teor político, como o uso de símbolos republicanos e outros como o Brasão Imperial; além de uma preocupação na criação, como o uso de enquadramentos, composições, tipografia e estruturação das imagens.

Outros pontos destacados são: o fato do ser e parecer moderno, como a chegada da litografia a vapor, que eram inscritas nos rótulos para a transmissão da ideia de moderno; a existência de uma conexão com o exterior, tanto por meio da mão de obra especializada, ou por referências de rótulos importados; e a informação verbal muitas vezes limitada as iniciais do fabricante ou um lema (tema ou slogan) do produto.

Existe uma preocupação dentro da organização do livro em colocar os temas de pesquisa numa tendência cronológica dentro do período estimado (1870-1960), o que também marca sua oposição a concepção de que o design brasileiro ocorreu apenas em meados do século XX.

Talvez, o termo design, ou desenho industrial, enquanto discurso de modernidade e quem sabe até como meio legitimador de uma ideologia, pode ter uma etapa de seu desenvolvimento estabelecido nos meados do século XX, abrindo assim uma consciência sobre os atributos da profissão. Porém as suas práticas, como é demonstrado nos exemplos impressos e em análises no transcorrer do livro em diferentes momentos da indústria gráfica, são evidentes antes de tal período.

Assim percebe-se que CARDOSO (2005) mostra que sua breve introdução a história de design lançada na virada do século XX para o XXI, tem sua voz reforçada, ao apresentar diferentes estudos entre a relação da cultura material, no caso representada pelos impressos, e o contexto social, tecnológico e econômico que está em seu entorno. 

Nos ensaios é possível estabelecer como a presença de diferentes “atores” sociais é capaz de atribuir e justificar determinadas escolhas em detrimento de outras, e apresenta um grau de complexidade quase “invisível” num primeiro contato, mas que ao ser analisado dentro de uma perspectiva histórica/cultural revela as diversas camadas de significados presentes. 

Referências: 
CARDOSO, Rafael. O design antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005. 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Considerações sobre o papel social do objeto técnico e os estilos de vida que ele possibilita

FEENBERG refuta a concepção da tecnologia com um caráter determinista. Descontruindo o argumento da tecnologia baseada uma lógica funcional que é explicada em si mesma, não contendo vinculados à sociedade. Em seu entendimento, a tecnologia tem impactos sociais, pois é resultado de um direcionamento social na escolha de qual tecnologia adotar. Tais escolhas concedem a hegemonia a determinado grupo, em detrimento de outro, de diversos modos.

Por meio desta perspectiva, é possível estabelecer que as teorias e as tecnologias não são determinadas ou fixadas a partir de critérios unicamente técnicos e científicos. Usualmente há mais de uma solução possível para um determinado problema, e a escolha de uma e não de outra solução tecnicamente viável, ocorre pelo poder de decisão final dos “atores sociais”. FEENBERG sugere um teor representativo da escolha social na concepção e constituição de um objeto técnico. Tal indicação promove no objeto um caráter de discurso atribuído por uma escolha social. Um objeto técnico por si só não tem um significado, nem um poder de ação, mas o discurso atribuído a ele socialmente, o torna representativo, com significados e com certo grau de poder, seja ele simbólico ou não.

Se apropriando do exemplo de PINCH e BIJKER,
FEENBERG exemplifica com o desenvolvimento das bicicletas. Surgem quase simultaneamente dois projetos de bicicleta, uma com rodas de tamanhos diferentes com maior velocidade, porém com uma segurança menor, e outra com rodas do mesmo tamanho com menor velocidade, porém com maior segurança. A primeira visava aspectos de esporte, enquanto a segunda, uma aplicação de transporte. Tal processo é denominado como “flexibilidade interpretativa”. Dentro do contexto social do período, optou-se pela segunda opção, bicicletas com rodas do mesmo tamanho, que posteriormente receberam diversos aprimoramentos técnicos, enquanto a opção rejeitada foi contemplada com um aspecto de exótica e pitoresca, sendo vendida como “curiosidade”. 

Um outro exemplo, pode ser tomado por FORTY (2007) ao apresentar o contexto da produção de roupas no século XVIII. Os tecidos com diversos motivos (grafismos) eram destinados as classes operárias (menos favorecidas e assalariadas) enquanto os tecidos brancos e sem motivos, eram utilizados pela classes que possuem os meios de produção (burguesia). Cria-se uma diferenciação de classe social pelo uso de um objeto técnico. Obviamente este processo de construção social não ocorre de modo instantâneo, muito menos isolado, mas está relacionado intimamente com a relação do desenvolvimento da tecnologia e a sociedade que o produziu.

Uma relação semelhante pode ser traçada com o cotidiano. A escolha de um tipo de objeto técnico reflete questões ligadas a uma ideologia/identidade escolhida por certos sujeitos. O objeto técnico “adquire” múltiplas interpretações e camadas de significação que, eventualmente, podem extrapolar sua concepção planejada. Tal processo de construção de significados sociais dos objetos técnicos é construído dentro das relações sociais, da cultura, do local geográfico, do contexto histórico e das escolhas tecnológicas.

E o design?

Referências:
FORTY, Adrian. Objeto do desejo – design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007. 
FEENBERG, Andrew.A Tecnologia Pode Incorporar Valores? A Resposta de Marcuse para a Questão da Época. 1995. link.