Digitalização
do artigo do Jornal da Tarde, publicada em 20 de julho de 1976. Transcrito
do original por Alan Witikoski para aplicação em pesquisa acadêmica. Todo o
crédito, assim como a escrita original, está mantida. O autor não está indicado no artigo.
Está matéria inicia uma série de três, com os resultados de uma pesquisa
realizada em torno dos cartões postais que circulavam ou foram impressos em
Curitiba no inicio do século, mostrando vários aspectos do passado. Desde os
rudimentos de nossa publicidade, alguns humoristas e suas caricaturas, até os
tiques sociais tradicionais, presentes em piqueniques onde as moçoilas sempre
de vestido branco e comprido, chapéu, ou as festas escolares de fim de ano,
professores encharpelados, alunos de calças e suspensórios. E mostra, também o
inicio das artes gráficas em Curitiba, e o que era possível fazer, com os
recursos disponíveis na época. Época em que a impressão era feita através de
pesadas pedras calcáreas importadas.
[Primeira Chamada] O passado Ilustrado – I
[Segunda Chamada] Da prensa manual, às gravações e relevo.
Mais que uma forma de servir como instrumento para troca de correspondência, os
cartões postais, no inicio do século, eles próprios, tinham suas mensagens a
passar, extrapolando as imagens atuais, restritos hoje quase que exclusivamente
a paisagens, e quando muito animais ou temas folclóricos. As temáticas dos
velhos cartões postais uma série de colocações tanto na cultura, como das
preocupações, e dos valores estéticos da época.
Na exposição, segunda Semana do Colecionado - Memória Visual que abre as
20h30min desta sexta-feira, na Casa Romário Martins. Poderão ser analisados
cartões postais humorísticos, de publicidade, ou litografados com detalhes em
seda, documentando paisagens urbanas, misses do passado, o folclore alemão, a
moda feminina e masculina das décadas de vinte e trinta, e entre outras coisas,
elencos de companhias teatrais, de ópera e circos que se apresentaram em
Curitiba no inicio do século. Entre os cartões mais diferentes dos atuais,
aquele, alusivo a um crime cometido por uma moça alemã em 1907, que vem
ilustrado com a fotografia da própria e a legenda: “A Filha do prefeito de
Beier a qual assassinou o seu noivo, engenheiro-chefe Pressler, no dia 14 de
maio de 1907, foi executada à tiros a 23 de julho às 06:30 horas da manhã em
Freiburg.”
Influência
Alemã
Nesta exposição serão mostrados os 114 painéis contendo cada um, entre oito e
onze postais, reunidos em acervos de quatro famílias: Bassler, Doubek,
Raschndorfer e Stenzel – pelo litografo, desenhista e colecionador Rodolfo
Doubek, que além de colecionador, trabalhou com postais indiretamente, fazendo
e desenhando as legendas para aqueles com paisagens do interior e o litoral do
Paraná e Santa Catarina, fotografado por Arthur Wischral, a partir da década de
vinte. Doubek é descendente de alemães, assim como o são as quatro famílias em
cujos “porões” andou pesquisando e procurando material, fato que não pode ser
colocado como uma simples coincidência. Na verdade, tanto os postais estrangeiros
que circularam em Curitiba no inicio do século, como aqueles que eram feito
aqui mesmo, trazem uma forte influencia alemã. Por várias razões.
A primeira delas diz respeito as artes gráficas, e ao próprio processo de
impressão em utilização nesta época, a litografia, que surgiu na Alemanha e
naquele mesmo país teve seu maior desenvolvimento inicial. Tanto assim que ao
ser introduzida no Brasil, era comum que nossas primeiras empresas gráficas
mandassem buscar técnicos no exterior: Espanha, Itália, Suíça, mas
especialmente na Alemanha. A própria Impressora Paranaense, nossa gráfica
antiga de maior tradição, costumava, inclusive a mandar seus técnicos
estrangeiros para sistemáticos cursos e estágios de atualização em uma
importante escola de Ley Pazag naquele país.
Lógico, portanto que importássemos maior quantidade deste material da Alemanha,
do que de outros países mesmo costumavam importar também de lá os cartões
postais.
Outro fator que se relaciona intimamente com este é o que diz respeito a própria
presença alemã no Paraná também desde o início deste século e final do século
passado. Quando em 1862 se iniciava e posteriormente se intensificava a
imigração teuta. Curitiba sempre ficou entre as cidades paranaenses escolhidas
para fixação de residência de muitos alemães, cuja presença se fez notar, em
curto espaço de tempo, no vários ramos de atividade da cidade, incluindo-se a
indústria, o comércio, as instituições culturais e esportivas. Um exemplo pode
ser tomado do próprio nome de estabelecimentos tradicionais “Painos
Essenfelder”, “Fábrica de Balas, Doces e Bolachas Lucinda” (que já foi também
confeitaria tradicional no centro da cidade e destilaria que produzia inclusive
“Whisky”), “Müller e irmãos”, “Impressora Paranaense” (gráfica das mais antigas,
que já no início do século fazia impressões para todos o país, e rodou o jornal
Dezenove de Dezembro, o primeiro da imprensa paranaense), “Decalcomanias
Fontanta”, ou “Sociedade Metalgráfica” (na qual trabalhavam dois alemães
Schroeder e Kirstein, pioneiros da litografia no Paraná e introdutores da
decalcomania no Brasil), antiga “Cervejaria Providência” (de Luiz Leitner, que
produziu a primeira cerveja de baixa fermentação no parque Batel). Também a
antiga “Sociedade Beneficente Rio Branco”, o “Clube Concórdia”, a “Sociedade de
Educação Física Duque de Caxias”, “Sociedade Beneficente Cabral”, “Graciosa
Country Club”, “Sociedade Thalia” são entidades sociais-esportivas fundadas
pelos alemães, além do “Coritiba Futeboll Club” que é de origem alemã “coxa
branca” alemã.
Artes
Gráficas
Este presença se fez notar em outros tantos estabelecimentos não mencionados,
como a antiga e extinta há pouco tempo Casa Crystal de Lourival Wemdrel, e
entre outras atividades, no próprio ensino, com a criação de colégios como o
Bom Jesus e Divina Providência, e no pioneirismo de criação de um rudimentar
primeiro Corpo de Bombeiros que atendia a colônia, antes da cidade ter sua
própria corporação. Esta influência estendeu-se como não podia deixar de ser ao
campo da fotografia, tão intimamente ligada as artes gráficas. Assim, entre os
estabelecimentos primeiros na cidade, os estúdios mais importantes e com
propriedade de Volk, Fleury, Weiss, (que funciona até hoje na rua Marechal
Deodoro, sob o nome pitoresco de Studio Moderno), e Heissler, que dominaram em
fotografia até as primeiras décadas deste século. As papelarias não fugiram a
esta regra: Mas Roesner, João Haupt, a recém extinta Cesar Schalz. Destas
papelarias, as importações de artigos estrangeiros (numa época em que quase
tudo o que consumíamos era importado) eram efetuadas, de preferência e em maior
no país de origem dos seus proprietários, isto é, na Alemanha. Assim, no que
concerna à cartões postais, estes, em sua maioria provinham mesmo da Alemanha.
E, como as papelarias de alemães eram preferidas pela colônia alemã
estabelecida em Curitiba, os cartões eram adquiridos e utilizados como
sistemático hábito social. Na cidade e no Estado.
A vanguarda dos alemães em artes gráficas e especialmente em fotografia pode
ser observada nos riquíssimos detalhes que envolviam a execução de um simples
cartão postal. Entre aqueles que serão mostrados pela Casa Romário Martins,
muitos com detalhes em seda, purpurina, em alto relevo, verdadeiros trabalhos
artísticos e admiráveis se levar em conta principalmente na litografia, todas
as provas e mesmo a matriz de impressão precisava ser desenhada em pedra. Mas
pedra calcárea (que também era importada) pesadíssima, difícil inclusive de ser
removida de uma prancheta a outra, que exigia para isso, um suporte especial,
na base da alavanca. Se um cartão era feito em quatro, cinco ou seis cores (e
eles eram bastante comuns), cada cor exigia uma prova separada; quer dizer,
eram necessárias então, seis ou sete pedras calcáreas. Os cartões com detalhes
em dourado (purpurina, ou como era mais conhecido o material “ouro em pó”),
ocorria nas gráficas em verdadeiro carnaval: bem no início de utilização do
material, não haviam máquinas específicas para a sua aplicação que ocorria
manualmente, na seguinte situação: abria-se uma mesa no quintal da gráfica, e
os funcionários iam colocando o pó para aderir a uma cola já aplicada dourada.
Acontece que o pó se espalhava pelo ar, e bronzeava a mesa, e os próprios
funcionários ...
A difícil Impressão
Na verdade
o processo de impressão sofreu uma evolução muito grande neste século,
acompanhada por alguns estabelecimentos gráficos da cidade, As máquinas iniciais,
conhecidas com máquina de Gutemberg eram utilizados tipos móveis e no caso da
litografia nossos estabelecimentos primeiros usavam a pedra, devidamente
preparada, onde se passava o rolo de tinta e um pano molhado em água, à mão ...
Depois a prensa era girada, de maneira a produzir pressão sobre o papel
colocado sobre a placa, de modo que a tinta passasse da placa para o papel.
Este foi o começo, e pode-se dizer, num processo semi-mecanizado, com as tais
“prensa de transporte”. Somente por volta de 1907 ou 1908 talvez pouco antes,
sobreveio a grande invenção e grande aperfeiçoamento das máquinas chamadas
“litográficas rápidas”. Estas eram movidas a motor, e já não havia mais a
necessidade de se passar um pano úmido nas pedras. A máquina, correndo
automaticamente, no vai e vem, passava ela própria pelo rolo de tinta e pelo
rolo de água. Pelo processo de cilindro que corria sobre a pedra, a folha era
levada automaticamente, só que ainda margeada a mão. Só bem mais tarde é que se desenvolveu nos
Estados Unidos, o sistema de impressão offset que veio substituir com vantagens
as máquinas rápidas. Foi aí o início da impressão indireta, processo
considerado moderno até hoje, com gradativas evoluções.
O trabalho
e os resultados alcançados pela litografia realçam ainda mais, quando se leva
em conta, o número infinito de problemas que precisavam ser enfrentados pelos
técnicos da época. A começar pelos resíduos de areia, presentes no papel
utilizando para a impressão. Segundo Oscar Scharpp, da Impressora Paranaense, o
problema provinha da capacidade do papel ser uma consequência de mistura do
caulim dentro de uma massa. “O caulim puro não contem areia, mas o cailum
utilizado nas fábricas de papel continha e areia suficiente para inclusive
estragar as chapas de impressão. Um grão de areia puxado sobre a pedra deixava
um sulco profundo que por sua vez armazenava tinta, e qualquer risco passava
então a compor também a impressão como um detalhe adicional inesperado. Toda a
sujeira aparecia na hora da impressão, era uma coisa tremenda que só foi
superada com o tempo.”
A Lenta
Evolução
Este
aspecto, especifico em relação a evolução das artes gráficas, é um dos
atrativos da exposição, segunda Semana do Colecionador Memória Visual. Ela
permita toda uma avaliação dos recursos disponíveis da época e dos resultados
alcançados com eles, e a evolução do próprio formato do cartão postal,
inicialmente indeciso, as vezes em forma de algum objeto especifico – como um
pandeiro – outros ainda menores que os atuais, e outros, com a ilustração
ovalada, tendo o cartão retangular como moldura. Outro aspecto que sobressai
ainda na exposição é o próprio hábito de se colecionar cartões postais, que se
restringem ao passado. É lógico que eles continuam a ser fabricados, vendidos,
guardados e consumidos. Mas não como antigamente. Talvez hoje muitos viajantes
prefiram mesmo utilizar o DDD, o telegrama, o telex. Ou talvez ainda, por que
os cartões atuais “não digam mais como diziam antes”, o que pode causar graves
exclamações de algumas pessoas idosas, do tipo “já não se fazem mais cartões postais
como antigamente”.
na verdade, em épocas passadas, os cartões funcionaram , quem sabe, como os
almanaques, e as atuais revistas de curiosidades humorísticas e de fofocas,
pois além da ilustração carregavam toda uma mensagem. Fosse referente a concluso
de Miss Universo realizado no Brasil, e que se acontecesse hoje seria
documentado pelas revistas Manchete, Ou fatos e Fotos, ou o crime da filha do
prefeito de uma cidade alemã que de também se ocorresse hoje, seria Manchete no
jornal O Globo, daria uma ponta em Fantástico, e receberia mil crônicas, talvez
uma série de reportagens, do cronista, Carlos Heitor Cony. E os cartões postais
humorísticos, quem sabe, substituíssem no inicio do século, as revistas de
crítica e humor, como mais tarde aconteceram em Curitiba, com o nome de Bomba,
ou Olho da Rua, e tanta outras. E serviram, sem sombra de dúvidas, para que a
colônia alemã estabelecida no Paraná cultivasse seus valores culturais, as
tradições de sua terra natal, e o folclore e paisagem, naqueles cartões
repletos de trevos, porcos como símbolo de sorte, miosótis, árvores natalinas
cobertas de neve, Papais Noéis avermelhados, castelo, igrejas velhíssimas,
duendes e anões. E a Alemanha, sob todos os ângulos e aspectos: desde a
reprodução de seus quadros famosos, até a documentação de seus crimes
“bombásticos” como aquele da filha do prefeito. E até, e porque não, cartão
postal contendo o menu de um navio de terceira classe do Loyd Alemão, oferecendo
para o jantar, entre outras coisas, batata cozida, ou ainda os cartões postais feitos aqui
especialmente para serem vendidos e com seus recursos auxiliarem os órfãos e
viúvas da guerra.