Entrevista cedida provavelmente a Rosirene Gemael, e transcrita do original datilografado por Alan Witikoski para pesquisa. Disponível para consulta na Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba. Data provável é julho de 1975.
De todos os litógrafos entrevistados, Leonardo Born, da Gráfica Born mostrou-se
mais entusiasta de seu antigo trabalho e não escondeu certo saudosismo pela
arte litográfica, orgulhando-se de ter sido dos últimos a abandonar aquele
sistema de impressão. Inaugurou o Offset com a edição do primeiro jornal grego
do Paraná.
Em seu depoimento gravado em julho, Leonardo fala da época em que as fábricas de
bebidas costumavam distribuir miniaturas, conta sobre o seu aprendizado na Sociedade
Metalgráfica e mostra, com muito empenho, a importância do trabalho de dois
alemães, Alexandre Schroeder e Germano Kristein no desenvolvimento da
litografia no Paraná, especialmente pela introdução da decalcomania no Brasil,
confeccionadas inicialmente numa pequena litografia da antiga rua Assunguy.
Entusiasta de seu mestre, tenta achar livros alemães sobre litografia que teria
ganho dele: enterrou tudo no quintal durante a guerra e não consegui mais
localizar.
A Gráfica Born foi criado em julho de 1947 por três sócios dos quais apenas
dois ainda vivem: Leonardo Born, nosso entrevistado, e Irvino Born, seu primo.
Situada à Rua Mateus Leme, está gráfica começou a operar em Offset em 1954,
sendo o primeiro trabalho no novo processo, a confecção de um jornal em grego,
o primeiro da América Latina. Sem compreender uma só palavra daquele idioma,
Leonardo e Irvino limitavam-se a imprimir o jornal que era redigido e composto
pelo jornalista grego, que também era o diretor e patrocinador. “O jornal durou
cerca de dez anos e terminou com a morte de seu criador. As tiragens eram de
1000 exemplares mensais, distribuídos para todo o país especialmente para a
colônia grega de Florianópolis”.
Apesar de dispor do
equipamento para impressão em Offset, a Gráfica Born continuou um bom tempo a
trabalhar com pedras litográficas e seus donos afirmam com certo orgulho, terem
sido os últimos em Curitiba a deixaram a litografia em segundo plano; e
afirmam, não sem certo ressentimento, que hoje em dia é praticamente impossível
só trabalhar com pedras:
“A matéria prima é difícil e cara, e não há mais
profissionais no ramo. Os velhos mestres já foram embora e os últimos estão
indo agora. Hoje é tudo na base do fotolito. A única máquina de impressão
litográfica que ainda funciona na cidade é da Companhia Campos Hidalgo. Mas foi
adaptada para imprimir zinco. Nela são feitas as latas de sabão e cêra.”
A especialidade da Gráfica Born tem sido rótulos, apesar de já ter
confeccionados diplomas, o jornal grego, além de pequenos rótulos para
miniaturas de bebidas:
“Estavam muito na moda. Todo fabricante distribuía as
garrafinhas de brinde, até que o governo passou a exigir imposto e nossos
fregueses desistiram. Nós fizemos algumas miniaturas bem interessantes, como
aquelas com times de futebol nos rótulos. Duas muito disputadas foram do
Coritiba Foot ball Club e Palestra Itália, grandes rivais na época.”
Leonardo acha que o melhor rótulo feito na Gráfica Born foi para a Cerveja
Guairacá, da antiga Cervejaria Providência, e diz que fazia muito rótulo para
Gengibirra, Cerveja de Sanso, e que de modo geral, quem dava a ideia para os
rótulos, era mesmo o freguês: “Eles faziam o rascunho direitinho como queriam e
a gente obedecia”. Na sua opinião, os melhores rótulos que viu em toda a sua
carreira foram aqueles confeccionados pela Litografia Progresso: “o Alves
sempre teve bons técnicos e era muito exigente. Teve, também, o melhor
impressor, o Adolfo Kloss, e foi sócio, no início de Schroeder, um dos melhores
mestres que trabalharam em Curitiba”.
Na Gráfica Born o trabalho sempre foi dividido em dois setores específicos: o
de Irvino – impressão e preparo de pedras, e o de Leonardo – desenho. Leonardo
desenhou sempre todos os rótulos, apesar de nunca ter frequentado um curso de
desenho, além da aula semanal do Colégio Progresso. E desenhar na pedra ele
aprendeu com 14 anos, quanto obteve seu primeiro emprego na Sociedade
Metalgráfica, - “no tempo que ela funcionava perto do Passeio Público”.
Leonardo e Irvino começaram juntos e ambos foram aprendizes de dois técnicos
alemães considerados excelentes - Schroeder e Kristein -.
“Estes dois sabiam de
tudo. Começaram com uma pequena litografia aqui na Mateus Leme, onde o Leão e o
Fontana mandavam alguns rótulos para imprimir. Os alemães conheciam a técnica muito
bem mas não tinham capital, e acabaram fechando sua litografia”.
Leonardo se empolga
bastante quando fala dos mestres alemães e não esconde sua admiração por ele:
"Foi o Kirstein, na pequena firma da Mateus Leme que fez a primeira
decalcomania do Brasil, desenhada por Schroerder. Aprendemos com eles inclusive
chegamos a fabricar decalcomanias aqui na firma por uns quatro anos. Depois
desistimos porque os pedidos de rótulos eram muitos. Acabamos vendendo a
matéria prima para o Fontana. Assim como nós, muita gente aprendeu a técnica e
o desenho na pedra com os dois alemães”, porque eles eram mestres na Sociedade
Metalgráfica. Quando o Schroeder morreu, o jornal alemão, Dass Kompass,
escreveu muito bonito, mais ou menos assim: ”faleceu um dos maiores pioneiros
da indústria gráfica do Paraná”.
Leonardo não se cansa de exaltar as qualidades de Schroeder:
“Ele me contou que
nasceu na cidade de Hamburgo. Quando jovem foi andar de patinete na neve,
quebrou o pé que acabou perdendo, por isto tinha que usar sapatos especiais.
Homem aleijado e ainda percorreu todo o mundo ... era um verdadeiro artista. Em
gravura, então, ele era ótimo. Fazia gravuras na pedra que só ele e mais um
outro da Impressora Paranaense sabia fazer. Ao invés de desenhar, gravava na
pedra, dentro da pedra. Saiam aqueles rótulos lindos de charutos, cabeçalhos de
papel de carta.”
Leonardo foi aprendiz de Schroeder durante quatro anos, e lembra quando seu
mestre perdeu um dedo:
”Foi durante o trabalho, justamente quando ele fazia
gravura. O dedo já estava machucado e depois acabou entrando ácido e ele teve
que amputar. Mas continuou trabalhando do mesmo jeito. Schroeder foi um dos primeiros
mestres que eu cheguei a conhecer. Saiu da Alemanha e foi parar na cidade
portuária de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, onde trabalhou por pouco tempo
na litografia de um alemão.
Do Rio Grande do Sul veio a Curitiba devido o clima e aqui começou a trabalhar
na Impressora Paranaense. Mas não era fácil trabalhar com ele. Era muito
enérgico. Eu não me mexeria na mesa no começo; só depois é que ele conversava
comigo. Os dois eram muito enérgicos. Um dia um aprendiz parou na minha mesa e
começamos a falar de futebol: o Schroeder deu bronca na gente e disse para o
aprendiz não parar mais na mesa. O Kirstein era um chefe geral, lidava mais com
os operários, fazia orçamentos, e o Schroeder era desenhista, litógrafo, fazia
croqui, cono o Doubek, dava as ideias. No
final conversamos e ele até me emprestava os livro que sempre recebia de um
amigo da Alemanha. Ele era estudioso e ensinava tudo."
Segundo este depoimento, Schroeder conhece na Impressora Paranaense o Rômulo
Cesar Alves com o qual se associou e iniciou um novo empreendimento gráfico:
“Ele sofreu muito na época da guerra pelo fato de ser alemão. Já estava
trabalhando com o Alves e na janela da litografia estava escrito – Schroeder e
Alves – com o nome alemão na frente. Um dia quando ele chegou no
estabelecimento para trabalhar seu nome estava riscado. Isto foi no ano de
1914, logo depois do Brasil entrou em guerra. O Schroeder ficou magoado e nem
entrou mais na litografia. Quanto ele saiu da Sociedade Metalgráfica a família
também ficou magoada. Mas direito pois era muito novo e não acompanhei. Mas
parece que tinha um contrato de dez anos que terminou e o pessoal da Sociedade
não quis renovar. Ele saiu e logo depois morreu. Mas antes de sai já estava
doente”.
Leonardo explica o antigo processo de impressão:
1- “O processo litográfico era complicado. Primeiro pegava-se uma pedra pequena
que era toda desenha à mão. Depois a pedra era preparada, tirava-se a prova, e
passava-se o desenho para a pedra grande, matriz, que ia para a máquina. Cada
cor tinha que ser passa separadamente. Primeiro o amarelo, depois o vermelho,
azul e o preto. O mais difícil de tudo, é que a impressão é direta e por isto
os desenhos e os escritos tinham que ser feitos sempre ao contrário”. E depois,
todo o material era importando. As pedras vinham da Alemanha, Itália e Bélgica.
As pedras eram inglesas e alemãs, a tinha vinha da França.
Entusiasta da litografia, “que é difícil, mas artística," Seo Leonardo fala que
na sua fase mais remota, a litografia do Paraná esteve na mão desenhistas
alemães. Era o Schroeder, o Kirstein, o Adolfo kloss, Alberto Thile, todos de
origem germânica. Pois foi inclusive um alemão Alois Senefelder que inventou a
litografia. Ele precisava marcar o número de peças de roupa que a mãe lavava, e
começou a marcar numa pedra. Assim é que começou a litografia.”
Efetivamente, segundo o boletim de Belas Artes (Rio de Janeiro) em seu número
especial de outubro/novembro de 1945, a arte litográfica foi inventada por Alois
Senefelder, pobre músico de um teatro de Munique, compositor nas horas vagas.
Para Imprimir suas obras faltavam-lhe recursos; lembrou-se então, de ser seu
próprio editor, para tanto procurando um novo processo, fácil de executar sem o
auxílio de oficinas complicadas. Depois de tentar a gravura em cobre,
dispendiosa e lenta, lembrou-se de empregar pedras polidas. Suas tentativas
andavam a meio quanto a sorte intercedeu, do seguinte modo: “Acabava eu de
desbastar um bloco de pedra - conta Senefelder – quanto minha mãe veio
perdir-me para anotar um rol de roupas. A lavanderia estava a espera, e para
não retardá-la, lancei mão da tinta que ali estava, composta de cera, sabão e
negro de fumo, anotando provisoriamente o rol num canto da placa de pedra que
acabara de polir, pensando em copiá-la mais tarde, quando encontrasse papel.
Quando tentei apagar o que ali escrevera, lembrei-me de tentar reproduzir
aquele texto”. Estava descoberto o princípio da litografia. Senefelder, de
inicio, pensava aplicar o sistema apenas à reprodução de músicas. Logo depois
verificou que um grande campo se abria para reprodução de obras de arte.
Patenteou seu método na Baviera em 1799 e em seguida em Londres. A nova
invenção foi usada em Viena, Paris, Stutgart e na Itália, mas praticamente
tentativas preliminares. A verdadeira solução do problema coube a dois
franceses – Conde de Lateyrie e Eugelmann – que em 1812 e 1814 estiveram em
Munique aperfeiçoando o processo. Compraram eles o direito de Senefelder,
montando suas oficinas especiais, uma em Mulhose outra em Paris, em 1816”.
Apesar de modesto, ocupando ainda hoje as mesmas dependências da época de sua
criação, a Gráfica Born conserva grande parte do material que confeccionou. Seo
Leonardo, uma do proprietários preocupou-se em guardar dois ou três rótulos de
cada um que desenhou nestes vinte e oito anos de atividades.
A Gráfica Born conserva também considerável coleção de pedras litográficas,
guardadas numa estante no estabelecimento, “ou porque foram bem feitos e podem
ser usadas como modelos, ou porque ainda poderão ser usados”. Outro tanto de
pedras está “encostada” no fundo do quintal e vem sendo vendido só para prova
para o Trombine”.
Seo Leonardo conserva vários exemplares do jornal grego, decalcomanias que
chegaram a confeccionar há vinte e cinco anos passados, diplomas e alguns
trabalhos de sua autoria, da época em que era funcionário da Sociedade
Metalgráfica. Seo Leonardo tinha ainda, exemplares do jornal alemão Koss
Kompass e livros alemães sobre litografia, “que eu escondi para não ser
queimado na época da guerra, e não consigo encontrar mais”. Seus instrumentos
de trabalho como litógrafo – também estão guardados, “e eu ainda uso, de vez em
quando”.