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sábado, 13 de dezembro de 2014

Definições básicas de conceitos de semiótica (Pierce)

Para se aplicar a semiótica como uma ferramenta capaz de auxiliar na análise de imagens, é necessário definir alguns conceitos essenciais. O conceito de signo dentro da perspectiva semiótica apresenta-se em três estados: a significação, a objetivação e a interpretação.

Significação: seu poder de significar em si mesmo dentro de suas propriedades internas.
Objetivação: Sua capacidade de referência áquilo que indica, representa ou se refere.
Interpretação: Seu potencial de interpretação.

Estes estados potenciais existentes em um signo sempre buscam uma relação com uma segunda coisa, como um objeto por meio de uma qualidade, que pode indicar uma terceira coisa, seu interpretante. Importante ressaltar que esta relação, signo, objeto e interpretante, não é fixa, mas é mutável, cada uma delas está no estado de, e nunca é, fixamente. 
É a relação entre elas que determinará o papel de cada uma delas naquele momento. Este movimento é dinâmico, e pode variar sempre que um novo olhar é aplicado no signo. 

Os signos podem ser classificados como: 
Ícone, Índice e Símbolo. Sua classificação varia de acordo com determinadas características em dependendo da perspectiva de análise. 
ícone: é um signo cujo significante está relacionado com uma qualidade do objeto que representa para determinado interpretante. A capacidade referencial do ícone é apresentar uma qualidade em comum com o objeto, proporcionando referências amplas, ambíguas e indeterminadas. Esta multiplicidade é provocada pelo seu poder de sugerir e evocar qualidades do ícone perante as associações do interpretante. Ao se deparar com um retrato de uma pessoa desconhecida, é possível formar uma ideia da pessoa que ele representa. Mas, não pode ser considerado um ícone puro, pois existe o conhecimento de que ele é uma “representação”, um recorde por meio do fotógrafo e seu equipamento.
Neste ponto, o interpretante assume que aquela imagem é um ícone, tem as qualidades exteriores, forma do rosto, cor do cabelo, cor dos olhos, formato da boca e etc.
Índice:  sua significação possuiu uma relação genuína com seu objeto independente do interpretante. Um exemplo, pode ser encontrado em uma marca de pegada, sendo um indicio de que alguma “coisa” passou por ali. O signo (marca) e o objeto (“coisa”) estão dinamicamente relacionados, construindo uma ligação existencial direta e fechada. Como no caso da fotografia, um retrato: para que ocorra a sensibilização do filme, há uma relação genuína com a “coisa” a que retrata, se refere ou representa. Nesta perspectiva a interpretação apresenta um estado indicial do retrato e não apenas o icônico.
Símbolo: o signo mantém uma relação de convenção com seu referente, o símbolo. O símbolo está associado ao objeto que representa por meio do hábito associativo, provocando no interpretante o símbolo a significar o que ele significa. Conecta-se a seu objeto em virtude de uma ideia na mente que se manifesta por meio do símbolo, independente de uma conexão factual com seu objeto (índice) ou semelhante com seu objeto (ícone).
A mesma relação pode ocorrer novamente com a imagem, uma fotografia de uma personalidade histórica, por exemplo, ela tem seu estado ícônico, tem seu estado indicial, mas dependendo do contexto, sua fotografia desperta outros ideias nos seus interpretantes, neste sentido ela pode provocar um estado simbólico.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Breve nota sobre a análise de imagens

O uso constante da imagem nos mais diferentes contextos, provoca um misto de fascínio e desconfiança na sociedade, tanto que alguns filósofos e designers definem o final do século XX e início do século XXI, como o “reino das imagens” ou “civilização das imagens”.

Se o uso extremo da imagem pode ser benéfico ou não, é discussão teórica de várias áreas relacionadas com a comunicação. Roland Barthes, em A Câmara Clara (1980) transmite, em síntese, um deslumbramento com as possibilidades propostas pela imagem. Em direção oposta, o filósofo Vilém Flusser, em A Filosofia da Caixa Preta (1983) apresenta ressalvas sobre esse deslumbramento provocado pelo uso da imagem.

Se é possível compreender adequadamente uma imagem, é necessário investigar e analisar alguns processos, não só de comunicação, ou de produção de significações, mas também questões relacionadas a tecnologia, economia, psicologia, contexto histórico etc. Portanto, a compreensão de imagem requer atenção em observar para além da imagem, e refletir sobre aspectos que estão ausentes na própria imagem é no não-estar em que alguns momentos encontram-se as contradições, as vezes imperceptíveis em um primeiro olhar. Para isso, é possível recorrer a métodos que orientam a construção de uma perspectiva capaz de conceituar e definir a imagem em um dado contexto e determinada temporalidade.

A presença de imagens produzidas pelo Homem pode ser compreendida como uma constante na sociedade. Em cavernas encontram-se vários vestígios produzidos por meios materiais das chamadas imagens fixas (físicas). Estas estabeleciam um modo de linguagem, e consequentemente, de expressar ideias. Entretanto, não há como definir a origem da capacidade de construir imagens mentalmente, antes de expressá-la por meios materiais.

Além destas imagens fixas e mentais, pode-se associar a imagem em outras possibilidades por meio de associações complexas, como quando refere-se a imagem dos médicos, a imagem da mulher, a imagem de uma corporação etc. A definição de, como e o porquê da imagem estar construída daquela perspectiva e não em outra, torna a tarefa de analisar uma imagem extensa e provoca uma profunda reflexão sobre o temática abordada. As imagens parecem sempre em um processo de exceder os limites determinados sejam materiais (imagens fixas) e imateriais (como as imagens mentais).

O fascínio pelo entendimento da imagem conduz a uma busca de explicar o processo de comunicação e significação. Diversas áreas do conhecimento pesquisam e formulam diferentes teorias sobre a relação entre o emissor e receptor. Entre estas, uma área em específico, chamada semiótica, busca métodos e maneiras de compreender o amplo processo que envolve as linguagens e as produções de significados. Seus estudos mais conhecidos estão registrados entre o final do século XIX e início do XX. Os estudos semióticos desenvolveram-se em formas diferentes ao redor do mundo, mas sempre com a preocupação de refletir a geração de significados. 

Em seu contínuo desenvolvimento a semiótica acabou dependendo do período e local geográfico dividida em “escolas”, como: a escola americana, a escola russa, a escola francesa etc. Cada uma com suas características e suas particularidades. A semiótica independente da escola pertencente se apresenta como uma interessante ferramenta de análise da imagem.

Por se tratar de uma teoria complexa, com várias nomenclaturas faz-se necessário a adoção de uma das perspectivas. Inicialmente, é apresentado os estudos da teoria do filósofo americano Charles Sanders Peirce.

Para Peirce, a imagem pode ser analisada na perspectiva da significação em uma constante construção de sentidos. O processo de interpretação é ad infinitium, ininterrupto, infinitamente em direção ao seu objeto e progredindo infinitamente em direção ao seu interpretante. Sendo assim, a imagem atua como um signo, que só poderá ser considerado como tal, se remeter a determinada ideia, provocando na mente de quem percebe uma atitude interpretativa.

Um signo, nesta perspectiva semiótica, atua em todos os sentidos, como: a visão (cores, formas, gestos etc), a audição (a linguagem oral, sinais sonoros, música, ruído etc), o tato (áspero, liso, macio, duro etc), o olfato (gás de cozinha, perfume, cano entupido etc) e o paladar (doce, azedo, amargo, insipido etc). Por meios destes sentidos construímos as sensações.

A percepção da sensação, normalmente, é vinculada à característica da presença física de um signo, porém, existe a possibilidade mesmo na ausência concreta (material) do signo, a sensação ter uma motivação abstrata. Por isso, um signo tem a característica de remeter a uma ideia ou a alguma coisa. E a imagem, enquanto signo, adquire esta mesma característica. Uma imagem qualquer pode remeter a sensações e a percepções de um objeto na qual seu interpretante, talvez, numa tenha experimentado sua sensação fisicamente.

Uma tentativa possível de caracterizar o conceito de signo é imaginar uma cena. Casualmente, ao andar pela rua encontra-se um amigo, e ao vê-lo percebemos que está pálido. Rapidamente, cogita-se a possibilidade de uma doença, já que a vivência e os parâmetros da nossa sociedade ocidental, constroem esta significação. Continuando, percebe-se o céu cinza, cinza é sinal de chuva, aperta-se o passo, se o sinal da rua está vermelho, vermelho é sinal de pare, para-se; e se há uma escada no caminho é preciso desviar, pois passar abaixo da escada dá azar.

Neste exemplo do cotidiano, vê-se que tudo pode ser signo, ressaltando que estas dependem da cultura e da temporalidade na qual ocorrem. Com isso, pode-se notar a capacidade do signo ser alguma, estar no lugar de alguma coisa para alguém, em uma alguma relação transmitindo seus significados dentro de um dado contexto.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Uso das cores na prática do design gráfico: Considerações de Rodolfo Fuentes

Este texto apresenta uma compilação de algumas observações que Rodolfo Fuentes faz em seu livro, A Prática do Design Gráfico - Uma Metodologia Criativa de 2006.

Para Fuentes,  a "cor é só uma sensação e não existe independentemente da organização nervosa dos seres viventes."  Comenta que existe uma bibliografia abundante sobre usos, técnicas, relações culturais e até místicas da cor, suas combinações e relações, passando por implicações psicológicas e comportamentais. 

Ao se referir sobre a cor no design, mais especificamente no design gráfico, Fuentes reconhece que "ninguém pode negar a importância da cor" na imagem corporativa, ou na hora de estabelecer sistemas de codificação, sem mencionar os sistemas de sinalização convencional. 

Em suas propostas de métodos, indica que durante as etapas estruturais de um projeto gráfico, muitas alternativas funcionam perfeitamente em sua expressão monocromática, porém, em muitos outros, a cor e as decisões que a envolvem são, por sua importância visual, a primeira coisa que se deve resolver.

Portanto, dentro do projeto gráfico, o grau de participativo da cor deve surgir durante o período de análise. É preciso observar as relações de presença ou ausência; qual será a "dominação cromática" e se a cor é uma boa ou má indicação para o que se deseja com o projeto. 

É apontado por Rodolfo, um fator que precisa de atenção especial no design, a existência de um "mundo analógico e o mundo digital". O designer transita entre estes dois mundos, o digital e o analógico, e tem como desafio, estabelecer transportes adequados entre um e outro.

Em algumas áreas do design, é comum a cor do âmbito digital (RGB) ser levada à sua totalidade, sendo que sua concretização no lado produtivo, é efetuada no âmbito analógico (CMYK).

Sendo importante, por parte principalmente do designer, o entendimento que "são dois sistemas absolutamente diferentes. Não é possível trabalhar em um como se fosse o outro."

"No processo gráfico se usa a cor pela aplicação de tintas. Não é possível separar o conceito de impressão do fato físico que o define e que significa depositar uma camada de tinta veiculo graxo ou similar, mais pigmento, sobre uma superfície, por meio de um dispositivo mecânico."

"Nesse processo se utiliza principalmente o método CMYK de quadricromia ciano, amarelo, magenta e preto (em inglês se usa a letra K, para se evitar confusões com a letra B do Blue) A mistura ótica dessas tintas, razoavelmente padronizadas, permite a reprodução de cores através de sistemas de tramas de impressão (retícula)." Neste mesmo âmbito, utilizam-se outras tintas, que no jargão gráfico, são chamadas especiais, codificadas normalmente, pelo sistema pantone.

O designer, de acordo com Rodolfo, deve contar com uma curiosidade extra para enquadrar seus projetos gráficos em novas técnicas e/ou processos de impressão. Pode-se citar alguns "desenvolvimento mais recentes das técnicas de impressão inkjet, digital, retículas aleatórias, estocásticas, hexachrome, waterless, etc."

No âmbito digital utiliza-se o RGB (Red, Blue and Green) este é o padrão de cor oriunda dos monitores. A ausência de suporte físico, as condições de qualidade do dispositivo, o seu ajuste e das circunstancias em que é observado, são fatores que influenciam a cor em que se está contemplando, alterando significativamente a sensação da cor, e consequentemente, alterando os resultados em seu âmbito analógico.

Referências:

FUENTES, Rodolfo. A prática do design gráfico, Uma metodologia criativa.
São Paulo: Rosari, 2006.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Entrevista de Rodolpho Doubek sobre os pioneiros da fotografia do Paraná

Esta entrevista faz parte de várias outras que narram a história dos fotógrafos pioneiros do Paraná. Estão disponíveis na Fundação Cultural de Curitiba.

Entrevista de Rodolpho Doubek, no dia 03 de março de 1984, para a jornalista Rosirene Gemael em sua casa na rua Nilo Peçanha, 205, por volta das 14h. Transcrição de Cristina Gebran. Digitalização do datilografado por Alan Witikoski.

RG: Rosirene Gemael
RD: Rodolpho Doubek


RG: O senhor podia começar dizendo o seu nome completo e aonde o senhor nasceu?
RD: Como eu digo, na Páscoa passada, no domingo de Páscoa eu fiz setenta e outro anos. Porque eu nasci num domingo de Páscoa, e é a terceira vez que repete o Domingo de Páscoa com o meu aniversário, 15 de abril. Meus pais Antonio José Doubek, veio ao Brasil com três anos. Minha mãe, filha de alemães também Ema Ida Raschendorfer oriunda, ela nascida aqui, mas os pais oriundos da Áustria. E aqui nasceram os Doubek, meu irmão Hugo falecido, eu segundo filho, Amanda que é professora aposentada de música e piano e canto e Amália, falecida também. É isso.

RG: O Senhor começou a trabalhar desde cedo, né?
RD: Bem, eu comecei a trabalhar com o Germano Roessler, pintor decorador, e de lá pra isso eu já falei de 52 para me aprimorar eu frequentei a escola do Andersen. Depois com a morte do mestre eu continuei com o filho, Thorstien, mais quatro anos lá, então eu sou assim, um pintor de meio tijela ... Bem e depois o exército e do exército me ofereceram o meu primo Arnaldo Raschendorfer me puxou prá litografia. Fiquei trabalhando com ele lá uns quatro ou cinco meses como litografo e depois ele foi ao Rio se especializar, aliás ele foi trabalhar no Serviço Militar do Rio. Ele era sargento também na época. E ele me arranjou um lugar lá no Kirstein e Schroeder, na Impressora Paranaense, Impressora Paranaense, não, como é? Metalgráfica e lá eu trabalhei por nove anos. Neste interim Arnaldo Raschndorfer ele se formou, ele voltou prá Curitiba e estudou agronomia e pegou um serviço no Departamento de Geografia do Estado como chefe de secção técnica e então ele me puxou prá lá. Da litografia eu sai e fui trabalhar no Estado onde eu permaneci até 1966 quanto eu me aposentei. Foi na gestão, eu entrei no serviço público na gestão do Manoel Ribas, e saí na gestão do Pimentel.

RG: E nessa trajetória profissional como é que o senhor acabou voltando prá fotografia?
RD: Acontece que o Arthur Wischral, ele era muito amigo do Arnaldo Raschndorfer. E o Arnaldo Raschndorfer fazia aqueles primeiros letreiros prá ele. E de repente, foi nem sei que ano ele faleceu o foi de repente o meu primo Arnaldo Raschndorfer faleceu assim de repente e aí eu continuei a fazer o serviço para o Wischral.

RG: Como era feito assim, como que era o processo? Como é que eram feitas as letrinhas?
RD: Pois é, como eu disso naquele tempo surgiu aquele invólucro de celofane nas carteiras de cigarro. Como aquilo era lisinho seu Wischral recortava os quadradinhos e me trazia, porque eu não fumo.

RG: Ah, ele aproveitava do cigarro mesmo? 
RD: Ele mesmo. Agora eu não sei se ele fumava ou não. Eu nunca vi ele fumar. Mas ele me trazia o celofane e eu então escrevia o assunto da fotografia ao pé da letra, em baixo.

RG: Mas porque com celofane?
RD: Porque em cima da chapa não aceitava e ia estragar a chapa né, no vidro não pega bem o nanquim ao passo que no celofane pegava que era uma beleza.

RG: Isso no tempo do negativo de vidro. Da chapa de vidro?
RD: E porque no papel branco a gente fazia as linhas auxiliares, a altura né, colocava o celofane em unia e depois de acordo com a linha a gente ia escrevendo o assunto. Prá não sair mais alto que... 

RG: O senhor escrevia como, nanquim?
RD: Nanquim e uma pena especial. Uma pena de fotografia mesmo. Fazia uma letra bem fininha. E assim foi indo.

RG: E o senhor só fazia esse serviço pra ele? 
RD: Só isso. Só, a única coisa era prã isso. 

RG: E durante quanto tempo o senhor fez isso ai? 
RD: Ah, isso eu não posso dizer. Eu só sei dizer que eu ganhei uma caixa cheia de, acho que uns duzentos ou mais de duzentos cartões. 

RG: E em que época isso? 
RD: A mocinha, isso agora. Eu sai do serviço público em 66 me aposentei mas anos antes eu já não trabalhava mais como desenhista, era chefe de secção. Mas foi muito antes que eu fiz esse serviço pro Wischral. Eu sou muito esquecido. Já não sei.

RG: Mas ainda trabalhava com chapa de vidro? Não era negativo ainda. Era chapa de vidro? 
RD: Não. Isso eu nem sei. Ele só me trazia o celofane e o letreiro. Ou ele só me indicava pra fotografia ao largo ou é parte estreita. Quando era em pé tinha que fazer mais estreito. E geralmente tinha espaço suficiente. Mas não posso dizer quantos anos sabe?
 

RG: Era o Wischral mesmo que fotografava? 
RD: Como? 

RG: Eram fotografias do Wischral?
RD: Do Wischral. Ele mesmo fotografava sim.  Fazia o Postal. É pena que é falecido. Eu como colecionador de cartões tinha um interesse enorme pra conhecer os negativos que tinha arquivado. Mas ele me deixou ir ver. Depois eu soube que aquilo estragou tudo com chuva. Que coisa né? 

RG: Ele não deixava ver, porque será? 
RD: Não sei

RG: Agora a parte maior do trabalho dele o senhor tem idéia se era mais fotografia ou mais o postal?
RD: Não. Ele fazia outras fotos também. Se não me engano ele trabalhou pro Estado também. Não sei pra-que órgão Porque toda casa, que vamos dizer que hoje seria tombada, antes de derrubar ele tirava fotografia. 

RG: Ah, era esse o trabalho dele? 
RD: Eu respeito até o ... David Carneiro talvez possa lhe dar uma dica sobre isso. Porque ele me falou do Wischral que ele tirava as fotos das casas antes de serem derrubadas.

RG: Corno e que era o WischraI como pessoa? 
RD: Também não tinha Eu tinha mais um convívio com as produções de cartões postais nessas ocasiões. Ou nos domingos se encontrava lá, na feira ou nas exposições de pintura também, então a gente trocava idéias, mas não assim generalizadas, nada de concreto. 

RG: E *** ... que o senhor trabalhou com ele, o senhor lembra? 
RD: Não sei. Isso é que eu não posso me lembrar. Se eu soubesse quando faleceu Arnaldo Raschendorfer isso já ... Isso deve ser lá nos anos 40. 40 a 50 mais ou menos assim.

RG: E esses  postais que o senhor colocava a legenda eram todos de fotografia aqui do Paraná?
RD: Do Paraná e de Santa Catarina.

RG:  Ah, de Santa Catarina também? 
RD: Também. Mas você conhece na maioria você conhece, muitos são do Raschendorfer também né? É como eu digo. Pra cada letreiro  que eu fazia eles me davam um cartão. E aquilo foi avolumando. E tinha até uma caixa cheia, tinha, agora já foram incluídos na coleção e trocados, tinha duplos também. 

RG: E esse trabalho pagava bem? 
RD: Não. Não pagava nada. Só fazia letreiro, fazia no serviço lá no Estado. 

RG: Não tinha remuneração? 
RD: Não. Não fazia em casa, fazia lã. Era coisa rápida né. E também não fazia, fazia um, três, quatro vezes né. Aquilo ia rápido.

RG: Quer dizer desse período que o senhor trabalhou ele o senhor tem todos os cartões guardados?
RD: Eu tenho sim. Mas tenho também do Raschendorfer. O Raschendorfer era mais caprichado, ele tinha mais jeito, ele era um cartógrafo formado bem. Ao passo que eu era mais grosseiro. Estão aí.

RG: Então o seu contato com os postais com o Raschendorfer, o senhor teria material de que época pra cá? 
RD: E como eu digo, do ano que o Raschendorfer, o Arnaldo faleceu, de lá pra cá eu fiz. É pena que eu ... 

RG: O senhor parou? 
RD: Não. Ele é que parou. 

RG: Quando ele parou? 
RD: Ai não tinha mais ... E como eu digo, se tivesse registrado o ano da foto era fácil né. Mas não se registrou. 

RG: Esse letreiro que o senhor colocava era só a editoração do  autor?
RD: É, e as iniciais do fotógrafo, tem quadradinho assim com A.W. as duas. Depois o número da fotografia, a região e o Estado. 

RG: Número da fotografia? 
RD: Parece que tinha número. Fácil de verificar. Uma exposição de mapas municipais no Rio, mas ainda no tempo do Raschendorfer então nós trabalhamos noite e dia pra organizar a exposição, fizemos os mapas municipais. Mapa do Paraná, e tinha cartões, mas esses não sei de quem eram os cartões postais. Acho que uma infinidade e esses nós colocamos sabe?

RG: Ah, colocar por cima a fotografia? 
RD: Eram indígenas. Nós colorimos e foi mandado esse material pra lá. Paraná tirou primeiro lugar de todos os Estados que apareceram no Rio. Fizeram uma inscrição, o Paraná tirou o primeiro lugar. 

RG: O senhor se lembra em que ano foi isso? 
RD: Poxa mocinha. Eu tenho o livro ai, mas procurar agora e achar? Foi no tempo do Getúlio de próprio punho lá, lá na saída ele escreveu um telegrama de congratulações pro Paraná, pro Governador aqui. E o telegrama quer dizer, chegou o telegrama, mas o original ficou lá no (?). Não sei que, como é, que chama aquilo, é uma sigla né? Lá no Passeio Público sim  uma cozinha que tinha uma bandeirinha. Não sei aonde.... e daí eles mandaram essas preciosidades. 

RG: Mas o senhor costumava muitas vezes colorir fotografia ou foi só uma vez? 
RD: Não, não. acontece que naquela época nós nos esforçávamos, só pra deixar mais bonito. né? Então nós colorimos aquilo, compramos umas tintas especiais para colorir e fizemos o Marroquino, o meu companheiro e eu. Que era uma coleção de fotografias. 

RG: Era muito complicado fazer isso? 
RD: Não. Mais ou menos só. Não era como por exemplo, eles rediam a fotografia de uma celebridade lá, de um diretor qualquer, então, a gente pode pintar com a tinta por cima. Isso nós não fazíamos. Era também uma tinta em tubo, pegava un pedaço de algodão embrulhava num palito, assim, coisa grosseira, né, não é coisa fina, porque a fotografia de cartão postal preta e branco, ela não permite colorir, por exemplo, aqui o marrom, aqui porque já é escuro demais. Essas coisas.

RG: Agora, há quanto tempo que o senhor coleciona fotografias? Cartão Postal. É cartão postal que o senhor colecionava né, não ó fotografia em geral não? 
RD: Você lembra aquela primeira vez que você veio aqui? 

RG: Lembro. 
RD: Então nós estávamos falando sobre o Schroeder e Kirstein, não foi? Ai eu tinha um álbum de cartões ai você viu aquilo e viu aqueles cartões da Alemanha e você achou interessante e pediu pra fazer uma exposição. Então eu fiquei entusiasmado, fui na casa do meu primo lã, do Stenzel que eu sabia que eles tinham falecido tudo, mas o material tava todo naquela casa. Então nós fomos lá, então ele me deu oitocentos cartões, depois eu fui numa outra tia, lá em cima, no Arnaldo Raschendorfer dai era o Stenzel, né o pai do Enyo Stenzel e lá em cima eram os Raschendorfer, eram os pais do Arnaldo Raschendorfer, toda essa gente assim. Então eles me deram aquele apoio. E ai organizamos aquela exposição continha ate duas trocas de cartões, de tanto cartão que tinha. Quer dizer que você é a culpada. Depois quando houve a criação da sociedade dos colecionadores de cartão eu fui lá, mas não me inscrevi né, só mais tarde, depois que me convidaram pra tomar parte, aí eu sou sócio deles. Aí comecei a ir muito lá. 

RG: E hoje o senhor calcula quantos cartões que o senhor tem? 
RD: Deve estar perto de seis mil, seis mil e quinhentos. 

RG: Seis mil e quinhentos? 
RD: É.

RG: Uma boa parte deles vindos da Europa? 
RD: A maioria. Aliás a maioria modo de dizer agora já suplantaram os de cá. Porque só o que ele, por exemplo, esses aqui quando meu sobrinho fez uma limpeza, então ele disse, o tio achei uma porção de cartão avulso E eram os cartões que eram dos meus pais, que eu nunca sabia onde é que estavam. Então ele, são esses daqui. Quarenta e nove cartões registrados, carimbados. E esses aqui são os primeiros cartões registrados e carimbados. Esses estrangeiros aqui. Esses aqui são... 

RG: Esses estrangeiros era a correspondência que a sua família daqui mantinha com a família que estava na Europa? 
RD: Esses aqui também são. Como é que é?

RG: Esses estrangeiros aqui, vamos dizer, como e que vieram parar aqui na mão da pessoa que lhe deu? Era alguém da família que morava lá?
RD: Eram parentes e amigos de meu pai.

RG: Que mandavam da Europa? 
RD: É, que mandavam de lá pra cá. Esse aqui, cartão era da Condor. A Condor depois passou pra um Riograndense, como e que chama ela? A VAarig. A Varig terminou agora. Ou ainda existe? 

RG: Existe. Esse é aquele que era bem antigo né? 
RD: E, esse cartão é o Breicher daqui. Isso 1906 ou 16? Eu não enxergo mais?

RG: Parece onze.
RD: Geralmente eles escrevem, mas nunca põe a data, né? Então esse cartão era do meu pai , mantiveram e do Martinelli (edifício, não sei se eles vão derrubar ou declarar como ...

RG: Nesse não tem assinatura. 
RD: Não. Quero ver quem escreveu. Essa família dos Vura o Marcos Vura, ele casou com uma tia minha, irmã do papai. Então ele teve os filhos, Erma foi o primei que faleceu, esse foi o ultimo que faleceu, esse tio faleceu, as mulheres faleceram todas e o Albino também faleceu. Esse aqui era um, ele chegou a ser aviador antes de ser aposentado, foi declarado, eu não o sei como é que são os postos dos aviadores, quando chegam a sua série. Mas ele ia buscar os aviões nos Estados Unidos, aviões de guerra, daqui pra combater na Itália. 

RG: O senhor chegou a conhecer o Volk, não?
RD: Não. Só de vista. Esse aqui, cartão é das famílias do teatro alemão ai, o Kirchgassner. Pena que ...

RG: E é postal né? 
RD: É postal. 

RG: Costumavam fazer postal de família também assim? 
RD: Não. Era também usavam porque o tamanho postal já vinha também em pacote, sabe, então eles tiravam fotografia e mandavam fazer cartão postal. Tá aqui o tio o Albino e a Elma, Também era daquela família que faleceram todos.

RG: Mas mandar assim pra parente, pra amigo, fotografia?
RD: Naquele tempo sempre isso, usava-se muito.

RG: Esse cartão aqui e de 1908. 
RD: E...feito em alemão aqui. Feito pelos alemães de Santa Catarina. Eu tenho cartão aí pra procurar. 

RG: Mas como o senhor diz, a legenda escrita em alemão? 
RD: Escrita em alemão. Esse aqui por exemplo é Porto Alegre, né, e é um cartão francês. 

RG: E como e que era isso? 
RD: O papel de fotografia já vinha com o timbre. eles compravam e usavam pra fotografia. 

RG: Já vinha impresso lá do lado do bilhete postal.?
RD: É. O bilhete já vinha impresso. 

RG: Agora, quando o senhor trabalhou com aquele fotógrafo, ele só fazia postal de paisagem ou não?
RD: Não. Ele fazia de tudo que o que é  tipo, né. Principalmente os de família. Mas tudo nesse papel já preparado pra mandar.

RG: Mas eu digo aqueles?
RD: Além disso as fotos maiores também. E poucos que faziam cartão postal pra venda, assim, flores, paisagens, eram vistas, o Wischral , o Henkel, já nem sei mais, até o Haupt fazia também, mandava fazer e vendia.

RG: Mas eu digo naqueles que o senhor colocava o letreiro, era sempre de paisagem?
RD: É, sempre de paisagem. Só paisagens. 

RG: E dai aquilo era pra vender? 
Geralmente da Estrada de Ferro, sabe. Então daquele  trajeto, ah enfim, fazia de Santa Catarina, a orla marítima que é bonita, que você vê aqui isso era dos Ramos Pinto, aliás isso vinha dentro das caixas de linho, de Portugal pra cá. 

RG: E virava postal. 
RD: Esse aqui é um bilhete do Brasil ainda, do tempo não digo do império, mas do começo, antes da reforma fotográfica. Esses daqui são de agora. Esse ... esse é minha tia. Imagina se não tivesse. Carmem não, Djanira, 1910, a Carmem é a filha. Desejo à Antonio e família, enviamos boas festas e muitas felicidades do Beto e Anita, Chiquinho e Arthurzinho. O Chiquinho e  o Arthurzinho morreram os dois, porque tinham ataque epilético. O Chiquinho morreu assim. Esse era pior, o Arthurzinho, eles foram morar em Santos com pais e ele remava e acho que deu um ataque e ele morreu afogado. 

RG: O Senhor faz ideia, seu Doubek dos postais que o senhor tem, quanto por cento deles é referente ao Paraná? 
RD: Eu acho que dois terços é do Paraná. Mais ou menos assim. Eu nunca, nem registro eu não tenho. Eu precisava contar certinho pra ver. Mas eu não tenho, mas esses daqui, só conheço (?) tem uma irmã da patroa que casou com o filho dela em 1 910. 

RG: O senhor acha que dois terços são do Paraná? É partir de que data mais ou menos? 
RD: Moça, do Paraná, contando agora esses que eram dos meus pais acho que do começo de 1910. Não, antes, 1906 pra cá. Porque de 1906 tem uma porção. Eu acho que eu tenho mais é de 1906, sabe? Dos antigos né? 

RG: O senhor tem condição de saber quem foi o fotógrafo que fez? 
RD: Não. 

RG: Não são assinados? 
RD: Não. Aqui do Paranã é preciso dar uma olhada. Aliás, não tem uns de 1906 se não me engano foi uma livraria que mandava fazer mas agora é preciso procurar moça. Por exemplo, esse aqui de Santos é de 1907. 

RG: Senhor Doubek, vou perguntar uma coisa pro senhor. Antes do senhor colocar letra nos postais do Wischral era, o seu tio, primo. 
RD: Meu primo. 

RG: E antes dele alguém fez? 
RD: Ah. Não sei. Eu acho que não. Porque eu tenho fotografias do Wischral que atrás só tem um carimbo tosco assim. 

RG: Sei. 
RD: Sabe? Depois que eu acho que ele teve a ideia, quando apareceu o celofane de fazer os negativos, colocar na chapa e ir tirando as cópias. 

RG: As famílias faziam postal, costumavam fazer postal sempre?
RD: Se você ia tirar uma fotografia de você, então quantas cópias quer? Uma dúzia. Fazia em cartão postal. Era corriqueiro, todo mundo fazia. Então a maioria é cartão postal. Não sei se é grande ou pequeno, mas é postal.

RG: O senhor conhecer outros fotógrafos além do Wischral?
RD: Não só amadores. Por exemplo, o Arnaldo Raschndorfer ele fotografava as tantas também, mas só prá ele. Só prá ele, assim comercialmente cheguei a conhecer o Henkel que era litografo. Conheci ele por causa da litografia. Então ele vinha lá emprestar penas prá litografia, etc e esse intercambio mas sobre fotografia não. Só que depois ele fez aquelas fotografias do Natal, depois de feita assim, aquilo vendia bastante.

RG: Ele trabalhava com litografia e fotografia?
RD: É Lá na Impressora Paranaense. E nas horas vagas ele era fotografo. Fazia excursões e tirava fotografia de tudo.

RG: E o Weiss, o senhor não chegou a conhecer?
RD: Não, o velho Weiss não. Talvez assim de ir lá, mas nós nunca tiramos fotografia com ele.

RG: No seu tempo de criança, aonde a família tirava fotografia? 
RD: Nossa? Nós não tiramos fotografia. Quando eu casei o fotógrafo  já veio aqui em casa. Mas eu nem sei mais quem era. Parece que era o Jacobs, Foto Brasil. Agora dos meus pais, esse negócio eu não sei. Naqueles tempos a gente era, não tenha (?) sabe como é, e di ficil saber desse negócio. 

RG: O senhor conhece muita gente que coleciona, que guarda fotografia ou cartão postal? 
RD: Não. Porque todos que eu pergunto já são, são netos e eles mudam das casas, vão pra apartamento, que hoje são um apartamento então eles jogam fora tudo que é coisa antiga. Agora tem muitos que guardam mesmo, tem muitos, mas é difícil precisar quem. 

RG: Lá Sociedade Rio Branco, sempre tinha muita festa, teatro, não tinha um fotógrafo que sempre trabalhe lá na Sociedade? 
RD: Lá ultimamente nós pegava o do Foto Brasil, o Jacobs agora antes, ultimamente até agora nós íamos tirar uma cópia da diretoria atual é como eu digo, ela não ficou boa porque falta aquela técnica dos fotógrafos de antigamente, aqueles aparelhos grandes e hoje faz assim "tic" e a ampliação não sai grande coisa né, e depois eles não tem o senso de colocar as pessoas como deve ser, bonito assim e sai daquele jeito. 

RG: Quer dizer que no fim o senhor tem aqui então fotógrafos que o senhor juntou de quatro famílias?
RD: Três famílias. Praticamente quatro porque tem lá da família Bassler, eles me deram uma porção de cartões também sabe. A família Bassler cuja filha casou com o Hering, um primo meu. Então, por isso a gente tinha assim mais intercâmbio, lá com eles e depois tinha o câmbio bastante com a família Raschendorfer, nos tinha pouco, mas agora com essa chegada ai e essas que eu mostrei dos meus pais ai, não foram expostas ainda. 

RG: E quando nós começamos a conversar o senhor disse que o senhor Weiss tinha trabalhado na polícia? 
RD: O Alberto Weiss é. Agora qual era o tipo de serviço dele eu não sei mas ele trabalhou na policia. 

RG: O senhor costumava ir ao estúdio do Wischral ou não? Os senhor ia muitas vezes no estúdio do Wischral?
RD: Não, nunca fui. Ele que vinha lá no departamento. Nunca fui lã. 

RG: E era basicamente paisagem né seu Doubek? 
RD: É só paisagem. 

RG: O senhor lembra de algum fato importante que ele tenha feito postal, e que o senhor tenha colocado a legenda? 
RD: Não. Ele era corriqueiro sim. Sempre a mesma coisa , ele vinha lá com uns três ou quatro prá eu fazer o letreiro, da próxima vez ele trazia os, a paga, né? 

RG: E ele fotografava toda a região de Santa Catarina também? 
RD: Bom, pelas fotos ele pegava geralmente a Estrada de Ferro e o litoral. É, no entanto no interior, bem pouca coisa sabe? Eu sã tenho dele, eu tenho do Rio Negrinho,

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Resumo: A danação do objeto: o museu no ensino de história

RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Ed. Argos: Chapeço. p178, 2004.

Notas sobre o autor:
Graduação em História (UFC - 1992), mestrado em Sociologia (UFC - 1996) e doutorado em História (PUC/SP - 2000). Desde 1994, é professor do Departamento de História da UFC.
Cargos administrativos: Diretor do Museu do Ceará (2000-2007), Diretor do NUDOC - Núcleo de Documentação Cultural da UFC (2009-2011).
 

Pesquisa atual:
Ao problematizar as temporalidades dos trabalhos da memória, o projeto desenvolve pesquisa sobre os modos pelos quais a oralidade, a escrita e a cultura material se constituem como dispositivos mnemônicos historicamente localizados. Trata-se, portanto, de uma abordagem a respeito da produção social da memória como parte dos acordos e das tensões que, a partir de um presente determinado, compõe vínculos com o passado e o futuro.
 
Breves sugestões para a antropofagia do autor
 
O texto de Ramos é apresentado pelo museólogo Mário Chagas, que eu sua sugestão de leitura ressalta de como a concepção de museu como um espaço de acumulação, nem sempre organizado, e que guardam “visões da morte”, local onde objetos são retirados de seus contextos e são congelados.

É a partir da desconstrução deste conceito que Mário direciona a leitura, chamando a atenção para a construção que Ramos faz de seu texto, a quarteto de pesquisa-museu-ensino-história, propondo o espaço do museu como “interdisciplinar por excelência”. 

Diálogos com Paulo Freire
 
Ramos inicia com uma das problemáticas dos museus históricos, a construção do saber histórico. Em seu entendimento o museu peca pela omissão em se articular como um lugar de produção de conhecimento. Não corresponde a transformar o museu um apêndice da escola, ou uma escolarização do museu, mas torna-lo mais didático, lúdico, provocativo, criar relações mais profundas e variadas com seus visitantes.
 
É para construir esta perspectiva, que os conceitos de Paulo Freire são inseridos no contexto do museu enquanto espaço “consciência crítica” de ensino. Ramos defende um trabalho para aprofundar as relações entre pesquisa histórica, ensino de história, museologia e a pedagogia de Paulo Freire.
 
Portanto, para o autor, não há museu inocente, qualquer exposição tem um alinhamento teórico e político, e os programas educacionais dos museus, não são avaliados pelo numero de visitantes, nem pelo plano pedagógico, mas por sua opção teórica e política.

Para Ramos, o espaço museológico é um lugar de processos educacionais, de atividades educativas, que não pode ser negada. Deve ser um espaço teoricamente fundamentado, de questionamentos, um convite para reflexões. É necessário pensar em como, porque, por quais meios deve ocorrer a inserção do museu, tendo em vista que é impossível descolar o museu da sala de aula.

O autor crítica os poderes públicos na confecção de seus currículos, no qual busca referências em outros autores, como o próprio Freire,  e Henry Giroux. Para ele o museu tem condições de articulado com outras instituições, em ser um dos responsáveis por uma renovação pedagógica, trazendo “o ato de aprender o compromisso com o ato vivido e os desejos de transformá-lo.”

A História dos objetos

Ramos expõe a perda das funções originais do objeto (uso) apresenta ao entrar no espaço expositivo, tendo seus valores transformados pelos mais diferentes interesses. Comenta sobre o objeto de elite, que compõem “a história de heróis e indivíduos de destaque”.p19
 
Este meio de expor figuras ilustres, raridades ou elementos exóticos, está relacionado com o conceito dos “Museus de História Natural” valorizados no século XIX, no auge da ciência, com o “ímpeto de enquadrar, classificar no domínio da enciclopédia”, reforçando-o como um local de fornecimento de dados e estatísticas.
 
O autor entende que toda exposição é um ato comunicativo, portanto, o museu é uma “instituição comunicativa”, e pode atuar de outra maneira, não apenas reproduzindo objetos de elite, mas propondo reflexões críticas para além somente dos objetos de elite.
Ramos afirma: “Se antes os objetos eram contemplados, ou analisados, dentro da suposta “neutralidade da ciência”, agora devem ser interpretados” p20. Com isso, existe uma alteração do museu-templo, para um museu-fórum, assumindo o caráter educativo e como lugar onde os objetos são expostos para compor um argumento crítico.
 
Este argumento crítico passa, de acordo com Ramos, antes de tudo pelo incremento de uma educação profunda, mais crítica, mais reflexiva. A questão é que o museu pode colaborar no  envolvido e sensibilização de seus visitantes. Ressalta  a importância de articulação com outras instituições, começando pela escola, na sala de aula, com atividades lúdicas, materiais do cotidiano, como indícios, para prover os visitantes/estudantes um meio para interpretar e refletir sobre o espaço museológico.
 
Os professores também precisam estar preparados para outro tipo de abordagem, outro meio de ir ao museu, indagar questões e temas, construir uma problemática relacionada ao que está exposto no museu e o cotidiano dos estudantes/visitantes, ampliando a própria noção de história e estimulando sobre a complexidade dos processos históricos.
 
Os museus também precisam alterar o modo com que recebem seus estudantes/visitantes. Os monitores não devem apenas expor o conteúdo da exposição, mas instigar os visitantes a perguntar, a se interessar e refletir sobre o que está sendo visto. É necessário abrir para um dialogo criativo, desafiar, um olhar não sobre o que o monitor informa, mas abrir a visibilidade para os objetos, e com isso levar a uma reflexão e conhecimento sobre como a história é presente e marcada no cotidiano de cada visitante, construindo os saberes coletivamente.
 
Ramos não acredita que a reflexão deva ocorrer apenas no museu, mas também fora dele, nos objetos que nos cercam:
Se pouco refletimos sobre nossos próprios objetos, a nossa percepção de objetos expostos no museu será também de reduzida abrangência. Sem o ato de pensar sobre o presente vivido, não há meios de construir conhecimento sobre o passado. [...] Conhecer o passado de modo crítico significa, ates de tudo, viver o tempo presente como mudança, com algo que não era, que está sendo e que pode ser diferente. Mostrando relações historicamente fundamentadas entre objetos atuais e de outros tempos, o museu ganha substância educativa, pois há relações entre o que passou, o que está passando e o que pode passar. Se aprendemos a ler palavras, é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas.” p21

Nesta citação pode-se observar que o autor busca, por meios de uma estratégia de pesquisa-museu-ensino-história, de alargar o juízo crítico sobre o mundo que nos rodeia, partindo de uma “história dos objetos” articulada como uma “trama de contrastes que gera percepções sobre o jogo de dominação e resistência”. p.22
 
A exposição deve funcionar como:
 “Uma fonte de reflexão sobre as estratégias do poder dominante e as táticas de subversão da ordem estabelecida. [...] a história deixa de ser o passado morto para emergir como pretérito eivado de presente, pois a questão dos poderes em conflito também diz respeito ao mundo no qual vivemos.“ p23
 
Ramos retoma uma das questões do início do texto a metamorfose do objeto ao entrar no espaço de exposição, onde são colocadas lado a lado diferentes vozes, onde todos concorrem pelas mais diferentes posições que buscam levar o visitante a uma determinada posição. A exposição sempre é uma leitura possível, nunca um conhecimento acabado, nunca são dados expostos, mas modos de provocar reflexões.

O objeto gerador
 
Ramos apresenta sua aproximação com o conceito de Paulo Freire, “palavras geradoras”, propondo os “objetos geradores”. Assim, como as “palavras geradoras” são um meio de buscar uma alfabetização de um determino grupo com um conjunto de palavras que tivessem um profundo significado, para quem iria ser alfabetizado, o mesmo pode ocorrer com os objetos.
 
Os “objetos geradores” seriam aqueles responsáveis por motivar reflexões sobre as tramas entre sujeitos e objetos do cotidiano, entender que os objetos expressam traços culturais, são criadores e criaturas do ser humano.
 
São os “objetos geradores” que devem estabelecer um dialogo entre o que sabe, o que se vai saber, buscando na leitura dos objetos novas leituras.
 
As estratégias para desenvolver este dialogo, partem deste da escolha de como o objeto gerador foi elegido, até a criação de ficções ou narrativas que cada indivíduo deve efetuar para que cada participante do grupo compreenda e complexidade do objeto. Para Ramos o “importante é que seja construída a circunstância para que se fale sobre objetos da vida cotidiana”.
 
Com esta construção pedagógica, Ramos, busca ampliar a percepção da historicidade sobre a multiplicidade cultural “entranhada” nos objetos, a trama de valores em suas transformações.
 
O museu, portanto, não pode ser o espaço de objetos de elite, nem de fornecedor de dados, mas deve ser inserido em um mundo vivido, envolvido em múltiplas leituras, assumindo sua criação política.
 
Para esta perspectiva, a noção de múltiplas temporalidades é apresentada. Citando Bruno Latour, lembra como as multiplicidades temporais dos objetos estão marcadas no cotidiano, e faz que o uso que fazemos dos objetos e o uso do próprio objeto faz de nós, nunca ocorre em um presente puro. De acordo com Ramos: 

"Viver com objetos de variadas épocas não é avanço nem recuo de tempo, não é progresso nem atraso. Ter tal questão como ponto a ser levado em consideração significa romper com a ideia de que vivemos num progresso que fala do passado como uma coisa ultrapassada, que coloca o que passou como evolução para o mundo atual; [...] não somos nem modernos nem antigos”. p.36
 
Alinhando-se com este argumento de critica ao progresso linear e contínuo e sua única temporalidade, Ramos, cita alguns comentários sobre Raymond Williams, que defendia que nenhum artefato constituído de heterogeneidades pode ser estudado como uma entidade estática e já definida, mas que os artefatos são culturais e se fazem de contrastes, são compostos de tempos e experiências sociais diferenciadas.
 
Encerra seu texto com seguinte paragrafo:
"Na multiplicidade dos tempos, interessa esmiuçar as várias dimensões sociais que caracterizam a criação e o uso dos objetos. Torna-se fundamental estudar como os seres humanos criam e usam objetos. Por outro lado, é igualmente necessário refletir sobre as formas pelas quais os objetos criam e usam os seres humanos." p.36