Páginas

Mostrando postagens com marcador Doubek. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Doubek. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 12 de março de 2013

Artigo sobre a Litografia Paranaense: Jornal da Tarde 1976

Digitalização do artigo do Jornal da Tarde, publicada em 20 de julho de 1976. Transcrito do original por Alan Witikoski para aplicação em pesquisa acadêmica. Todo o crédito, assim como a escrita original, está mantida. O autor não está indicado no artigo.

Está matéria inicia uma série de três, com os resultados de uma pesquisa realizada em torno dos cartões postais que circulavam ou foram impressos em Curitiba no inicio do século, mostrando vários aspectos do passado. Desde os rudimentos de nossa publicidade, alguns humoristas e suas caricaturas, até os tiques sociais tradicionais, presentes em piqueniques onde as moçoilas sempre de vestido branco e comprido, chapéu, ou as festas escolares de fim de ano, professores encharpelados, alunos de calças e suspensórios. E mostra, também o inicio das artes gráficas em Curitiba, e o que era possível fazer, com os recursos disponíveis na época. Época em que a impressão era feita através de pesadas pedras calcáreas importadas.

[Primeira Chamada] O passado Ilustrado – I

[Segunda Chamada] Da prensa manual, às gravações e relevo.

Mais que uma forma de servir como instrumento para troca de correspondência, os cartões postais, no inicio do século, eles próprios, tinham suas mensagens a passar, extrapolando as imagens atuais, restritos hoje quase que exclusivamente a paisagens, e quando muito animais ou temas folclóricos. As temáticas dos velhos cartões postais uma série de colocações tanto na cultura, como das preocupações, e dos valores estéticos da época.
Na exposição, segunda Semana do Colecionado - Memória Visual que abre as 20h30min desta sexta-feira, na Casa Romário Martins. Poderão ser analisados cartões postais humorísticos, de publicidade, ou litografados com detalhes em seda, documentando paisagens urbanas, misses do passado, o folclore alemão, a moda feminina e masculina das décadas de vinte e trinta, e entre outras coisas, elencos de companhias teatrais, de ópera e circos que se apresentaram em Curitiba no inicio do século. Entre os cartões mais diferentes dos atuais, aquele, alusivo a um crime cometido por uma moça alemã em 1907, que vem ilustrado com a fotografia da própria e a legenda: “A Filha do prefeito de Beier a qual assassinou o seu noivo, engenheiro-chefe Pressler, no dia 14 de maio de 1907, foi executada à tiros a 23 de julho às 06:30 horas da manhã em Freiburg.”

Influência Alemã

Nesta exposição serão mostrados os 114 painéis contendo cada um, entre oito e onze postais, reunidos em acervos de quatro famílias: Bassler, Doubek, Raschndorfer e Stenzel – pelo litografo, desenhista e colecionador Rodolfo Doubek, que além de colecionador, trabalhou com postais indiretamente, fazendo e desenhando as legendas para aqueles com paisagens do interior e o litoral do Paraná e Santa Catarina, fotografado por Arthur Wischral, a partir da década de vinte. Doubek é descendente de alemães, assim como o são as quatro famílias em cujos “porões” andou pesquisando e procurando material, fato que não pode ser colocado como uma simples coincidência. Na verdade, tanto os postais estrangeiros que circularam em Curitiba no inicio do século, como aqueles que eram feito aqui mesmo, trazem uma forte influencia alemã. Por várias razões.
A primeira delas diz respeito as artes gráficas, e ao próprio processo de impressão em utilização nesta época, a litografia, que surgiu na Alemanha e naquele mesmo país teve seu maior desenvolvimento inicial. Tanto assim que ao ser introduzida no Brasil, era comum que nossas primeiras empresas gráficas mandassem buscar técnicos no exterior: Espanha, Itália, Suíça, mas especialmente na Alemanha. A própria Impressora Paranaense, nossa gráfica antiga de maior tradição, costumava, inclusive a mandar seus técnicos estrangeiros para sistemáticos cursos e estágios de atualização em uma importante escola de Ley Pazag naquele país.
Lógico, portanto que importássemos maior quantidade deste material da Alemanha, do que de outros países mesmo costumavam importar também de lá os cartões postais.
Outro fator que se relaciona intimamente com este é o que diz respeito a própria presença alemã no Paraná também desde o início deste século e final do século passado. Quando em 1862 se iniciava e posteriormente se intensificava a imigração teuta. Curitiba sempre ficou entre as cidades paranaenses escolhidas para fixação de residência de muitos alemães, cuja presença se fez notar, em curto espaço de tempo, no vários ramos de atividade da cidade, incluindo-se a indústria, o comércio, as instituições culturais e esportivas. Um exemplo pode ser tomado do próprio nome de estabelecimentos tradicionais “Painos Essenfelder”, “Fábrica de Balas, Doces e Bolachas Lucinda” (que já foi também confeitaria tradicional no centro da cidade e destilaria que produzia inclusive “Whisky”), “Müller e irmãos”, “Impressora Paranaense” (gráfica das mais antigas, que já no início do século fazia impressões para todos o país, e rodou o jornal Dezenove de Dezembro, o primeiro da imprensa paranaense), “Decalcomanias Fontanta”, ou “Sociedade Metalgráfica” (na qual trabalhavam dois alemães Schroeder e Kirstein, pioneiros da litografia no Paraná e introdutores da decalcomania no Brasil), antiga “Cervejaria Providência” (de Luiz Leitner, que produziu a primeira cerveja de baixa fermentação no parque Batel). Também a antiga “Sociedade Beneficente Rio Branco”, o “Clube Concórdia”, a “Sociedade de Educação Física Duque de Caxias”, “Sociedade Beneficente Cabral”, “Graciosa Country Club”, “Sociedade Thalia” são entidades sociais-esportivas fundadas pelos alemães, além do “Coritiba Futeboll Club” que é de origem alemã “coxa branca” alemã.

Artes Gráficas

Este presença se fez notar em outros tantos estabelecimentos não mencionados, como a antiga e extinta há pouco tempo Casa Crystal de Lourival Wemdrel, e entre outras atividades, no próprio ensino, com a criação de colégios como o Bom Jesus e Divina Providência, e no pioneirismo de criação de um rudimentar primeiro Corpo de Bombeiros que atendia a colônia, antes da cidade ter sua própria corporação. Esta influência estendeu-se como não podia deixar de ser ao campo da fotografia, tão intimamente ligada as artes gráficas. Assim, entre os estabelecimentos primeiros na cidade, os estúdios mais importantes e com propriedade de Volk, Fleury, Weiss, (que funciona até hoje na rua Marechal Deodoro, sob o nome pitoresco de Studio Moderno), e Heissler, que dominaram em fotografia até as primeiras décadas deste século. As papelarias não fugiram a esta regra: Mas Roesner, João Haupt, a recém extinta Cesar Schalz. Destas papelarias, as importações de artigos estrangeiros (numa época em que quase tudo o que consumíamos era importado) eram efetuadas, de preferência e em maior no país de origem dos seus proprietários, isto é, na Alemanha. Assim, no que concerna à cartões postais, estes, em sua maioria provinham mesmo da Alemanha. E, como as papelarias de alemães eram preferidas pela colônia alemã estabelecida em Curitiba, os cartões eram adquiridos e utilizados como sistemático hábito social. Na cidade e no Estado.
A vanguarda dos alemães em artes gráficas e especialmente em fotografia pode ser observada nos riquíssimos detalhes que envolviam a execução de um simples cartão postal. Entre aqueles que serão mostrados pela Casa Romário Martins, muitos com detalhes em seda, purpurina, em alto relevo, verdadeiros trabalhos artísticos e admiráveis se levar em conta principalmente na litografia, todas as provas e mesmo a matriz de impressão precisava ser desenhada em pedra. Mas pedra calcárea (que também era importada) pesadíssima, difícil inclusive de ser removida de uma prancheta a outra, que exigia para isso, um suporte especial, na base da alavanca. Se um cartão era feito em quatro, cinco ou seis cores (e eles eram bastante comuns), cada cor exigia uma prova separada; quer dizer, eram necessárias então, seis ou sete pedras calcáreas. Os cartões com detalhes em dourado (purpurina, ou como era mais conhecido o material “ouro em pó”), ocorria nas gráficas em verdadeiro carnaval: bem no início de utilização do material, não haviam máquinas específicas para a sua aplicação que ocorria manualmente, na seguinte situação: abria-se uma mesa no quintal da gráfica, e os funcionários iam colocando o pó para aderir a uma cola já aplicada dourada. Acontece que o pó se espalhava pelo ar, e bronzeava a mesa, e os próprios funcionários ...

A difícil Impressão

Na verdade o processo de impressão sofreu uma evolução muito grande neste século, acompanhada por alguns estabelecimentos gráficos da cidade, As máquinas iniciais, conhecidas com máquina de Gutemberg eram utilizados tipos móveis e no caso da litografia nossos estabelecimentos primeiros usavam a pedra, devidamente preparada, onde se passava o rolo de tinta e um pano molhado em água, à mão ...
Depois a prensa era girada, de maneira a produzir pressão sobre o papel colocado sobre a placa, de modo que a tinta passasse da placa para o papel. Este foi o começo, e pode-se dizer, num processo semi-mecanizado, com as tais “prensa de transporte”. Somente por volta de 1907 ou 1908 talvez pouco antes, sobreveio a grande invenção e grande aperfeiçoamento das máquinas chamadas “litográficas rápidas”. Estas eram movidas a motor, e já não havia mais a necessidade de se passar um pano úmido nas pedras. A máquina, correndo automaticamente, no vai e vem, passava ela própria pelo rolo de tinta e pelo rolo de água. Pelo processo de cilindro que corria sobre a pedra, a folha era levada automaticamente, só que ainda margeada a mão.  Só bem mais tarde é que se desenvolveu nos Estados Unidos, o sistema de impressão offset que veio substituir com vantagens as máquinas rápidas. Foi aí o início da impressão indireta, processo considerado moderno até hoje, com gradativas evoluções.
O trabalho e os resultados alcançados pela litografia realçam ainda mais, quando se leva em conta, o número infinito de problemas que precisavam ser enfrentados pelos técnicos da época. A começar pelos resíduos de areia, presentes no papel utilizando para a impressão. Segundo Oscar Scharpp, da Impressora Paranaense, o problema provinha da capacidade do papel ser uma consequência de mistura do caulim dentro de uma massa. “O caulim puro não contem areia, mas o cailum utilizado nas fábricas de papel continha e areia suficiente para inclusive estragar as chapas de impressão. Um grão de areia puxado sobre a pedra deixava um sulco profundo que por sua vez armazenava tinta, e qualquer risco passava então a compor também a impressão como um detalhe adicional inesperado. Toda a sujeira aparecia na hora da impressão, era uma coisa tremenda que só foi superada com o tempo.”

A Lenta Evolução

Este aspecto, especifico em relação a evolução das artes gráficas, é um dos atrativos da exposição, segunda Semana do Colecionador Memória Visual. Ela permita toda uma avaliação dos recursos disponíveis da época e dos resultados alcançados com eles, e a evolução do próprio formato do cartão postal, inicialmente indeciso, as vezes em forma de algum objeto especifico – como um pandeiro – outros ainda menores que os atuais, e outros, com a ilustração ovalada, tendo o cartão retangular como moldura. Outro aspecto que sobressai ainda na exposição é o próprio hábito de se colecionar cartões postais, que se restringem ao passado. É lógico que eles continuam a ser fabricados, vendidos, guardados e consumidos. Mas não como antigamente. Talvez hoje muitos viajantes prefiram mesmo utilizar o DDD, o telegrama, o telex. Ou talvez ainda, por que os cartões atuais “não digam mais como diziam antes”, o que pode causar graves exclamações de algumas pessoas idosas, do tipo “já não se fazem mais cartões postais como antigamente”.
na verdade, em épocas passadas, os cartões funcionaram , quem sabe, como os almanaques, e as atuais revistas de curiosidades humorísticas e de fofocas, pois além da ilustração carregavam toda uma mensagem. Fosse referente a concluso de Miss Universo realizado no Brasil, e que se acontecesse hoje seria documentado pelas revistas Manchete, Ou fatos e Fotos, ou o crime da filha do prefeito de uma cidade alemã que de também se ocorresse hoje, seria Manchete no jornal O Globo, daria uma ponta em Fantástico, e receberia mil crônicas, talvez uma série de reportagens, do cronista, Carlos Heitor Cony. E os cartões postais humorísticos, quem sabe, substituíssem no inicio do século, as revistas de crítica e humor, como mais tarde aconteceram em Curitiba, com o nome de Bomba, ou Olho da Rua, e tanta outras. E serviram, sem sombra de dúvidas, para que a colônia alemã estabelecida no Paraná cultivasse seus valores culturais, as tradições de sua terra natal, e o folclore e paisagem, naqueles cartões repletos de trevos, porcos como símbolo de sorte, miosótis, árvores natalinas cobertas de neve, Papais Noéis avermelhados, castelo, igrejas velhíssimas, duendes e anões. E a Alemanha, sob todos os ângulos e aspectos: desde a reprodução de seus quadros famosos, até a documentação de seus crimes “bombásticos” como aquele da filha do prefeito. E até, e porque não, cartão postal contendo o menu de um navio de terceira classe do Loyd Alemão, oferecendo para o jantar, entre outras coisas, batata cozida,  ou ainda os cartões postais feitos aqui especialmente para serem vendidos e com seus recursos auxiliarem os órfãos e viúvas da guerra. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Entrevista: Rodolpho Doubek comenta sobre a Sociedade Metalgráfica

A página de apresentação estava faltando, assim acredito que a entrevista tenho sido cedida a Rosirene Gemael, no ano de 1975. Transcrita do original datilografado por Alan Witikoski para pesquisa. Disponível para consulta na Fundação Cultural de Curitiba.

Notas:
No texto existem alguns pontos interessantes. O que trata da aproximação dos litógrafos com as artes plásticas, as funções dentro de uma littografia, no caso a Litografia Metalgráfica e, quais e como eram criados os materiais gráficos.


1. Para começar, queríamos seu nome completo
Rodolfo Doubek. Nasci em Curitiba, num domingo de Páscoa, 15 de abril de 1906.

2. O senhor sempre gostou de desenho?
Sempre, desde guri sujava as paredes.

3. E estudou desenho?
Sim. Entrei no curso de pintor decorador da Escola Alfredo Andersen em 1926 ou 1928, não lembro direito. Depois abandonei e só voltei mais tarde, quando Andersen já havia morrido e o ateliê era orientado pelo filho dele. Daí estudei pintura mesmo e desenho, por quatro anos.

4. Conviveu durante quanto tempo com o Andersen?
Um ano e meio, mais ou menos.

5. Por que motivo o senhor abandonou a escola da primeira vez: acabou um curso específico ou desinteressou-se?
É fiquei doido pelo esporte, principalmente atletismo e basquete e acabei abandonando a pintura temporariamente. Comecei na Sociedade Duque de Caxias. Depois fui para o exército e lá me tornei mais desportista ainda, porque assim me livraria do trabalho do quartel. Mais tarde pratiquei esporte também na Sociedade Rio Branco.

6. O senhor chegou a participar de competições?
Ninguém acredita, mas eu sou campeão brasileiro de basquete. Foi em 1930. Neste ano São Paulo e o antigo Distrito Federal brigaram com a Confederação Brasileira de Desportos e se retiraram. Concorremos com Minas Gerais e o Estado do Rio, e vencemos.

7. Participou de outras?
As Ligas Atléticas do Paraná e do Rio Grande do Sul costumavam organizar campeonatos sul-brasileiros de atletismo, basquete e vôlei, e sempre os gaúchos levavam a melhor. Mas aí também fui campeão sul-brasileiro de basquete, pois conseguimos vencer uma vez em Porto Alegre.

8. Quando o senhor voltou a estudar na Escola Alfredo Andersen já havia deixado o esporte de lado?
Continuei no esporte, mas daí tudo já era mais regrado, e a escolha sob a orientação do filho de Andersen não era a mais a mesma de antes. No fim, larguei também aquilo e fui trabalhar como litógrafo na Sociedade Metalgráfica.

9. Este foi então seu primeiro emprego?
De profissão fixa foi, e fiquei na Sociedade cerca de nove anos.

10. Começou a pintar quadros na época?
Bem, eu já pintava desde a época em que era decorador, mas aí só fazia cópias.

11. E este trabalho do pintor decorador como era?
Fazia frisos, motivos gregos nas paredes. Naquele tempo usava-se muito chapeado e pintura à mão. Me especializei nisto e trabalhei nove anos.

12. Há ainda hoje alguma residência com parede decorada pelo senhor?
Duvido. Engraçado, numa de suas mudanças, o Departamento de Terras foi parar no Edifício Lins, na antiga rua Conselheiro Barradas, (do Clube Concórdia) e no quarto que antes fora ocupado pelas crianças ainda havia o meu friso.

13. Muita gente dedicava-se a este tipo de trabalho?
Naquele tempo não havia muito pintor. A maioria era de origem alemã, e eu era muito disputado. Todo mundo me convidava para trabalhar, mas sempre fiquei na firma do Roessie que era meio parente meu.

14. As, o senhor não trabalhava por conta própria, havia uma firma constituída só para este fim?
É era empregado. Era a firma Germano Roessie onde trabalhavam pai e filho, só para fazer decoração em paredes. Trabalhei com eles até 1928. Depois quando saí do exército trabalhei com um primo que era litógrafo. Ele sentou praça, e em virtude de seu desenho cartrográfico, foi mandado para o Rio de Janeiro, trabalho no Serviço Geográfico Militar. Quando voltou, ingressou na Universidade e fez curso de Agronomia. Continuou trabalhando no Estado e como tinha muito serviço particular de litografia, pediu para que eu trabalhasse com ele. Fiquei durante alguns meses.

15. Chegaram a constituir firma e registar uma litografia?
Não, não havia litografia. Naquele tempo era comum os desenhistas serem procurados particularmente. E assim foi. O meu primo me ensinou a fazer letras, trabalhamos juntos e depois, quando terminou a enxurrada de serviço, ele me arranjou emprego na Sociedade Metalgráfica.

16. Qual era o seu setor na Sociedade Metalgráfica?
Só litografia. Desenho sobre pedra e zinco. Mais tarde, com o falecimento do senhor Schroeder, que era um dos chefes da firma, passei a ser o Primeiro Desenhista. Daí trabalhava mais o croqui, dando ideias, estas coisas.

17. Então o senhor convivei muito pouco tempo com Schroeder ...
Bem pouco. Acho que foi um ano, um ano e meio.

18. Muitos litógrafos antigos afirmam hoje terem aprendido com o Schroeder. O senhor lembra de outros mestres no seu tempo?
Não, não lembro.

19. O trabalho do Schroeder era bom realmente?
Para a época era muito bom. Começamos quando a Sociedade ainda era uma metalografia. Trabalhávamos com a impressão sobre metal, folha de Flanders, fazendo embalagens de latas. Latas para banhas, por exemplo, com aquele bruta porco na frente. Era um serviço bem grosseiro. Só mais tarde é que começamos a trabalhar papel. Fazíamos rótulos, especialmente para barricas de mate. Agora, decalcomanias fizemos desde o ínicio.

20. O senhor tem ideia de quem tenha introduzido a decalcomania aqui? Parece que várias pessoas concordam que tenha sido a dupla Schroeder e Kirstein.
Os dois juntos. O Kirstein sabia a técnica, o Schroeder desenhava, e eles fabricaram as primeiras.

21. E isto parece que foi feito antes da Sociedade Metalgráfica. Numa firma que pertencia aos dois é isto mesmo?
Isto mesmo, era a firma Schroeder e Kirstein.

22. Mais tarde é que eles passaram para a Sociedade Metalgráfica?
É, depois se associaram a firma Fontana, constituíram a Sociedade Metalgráfica e introduziram a impressão em metal.

23. O senhor sabe alguma coisa à respeito da saída do Schroeder da Sociedade? Parece que a família tem muita mágoa à respeito.
Pois é, eu só soube disto por intermédio do filho dele, no último sábado. Só sei que o Schroeder morreu de pneumonia, contraída quando foi ao enterro de um filho do proprietário da Impressora Paranaense. Choveu neste dia, ele resfriou-se e depois complicou.

24. Á respeito do seu trabalho na Sociedade Metalgráfica, o que fazia o primeiro desenhista?
Vinham pedidos de todos os tipos: rótulos, mapas, e até música. Fizemos cartazes propaganda em geral. Tudo o que aparecia e que podíamos fazer, fazíamos.

25. Só para cliente de Curitiba?
Não, de toda parte. Trabalhamos até para o Uruguai, principalmente para exportadores de mate. Tínhamos representantes em todos os Estados do país.

26. A Sociedade Metalgráfica começou fazendo só decalcomanias e latas?
Quem pode lhe contar isto é o Constante Moro, porque eu não participei do começo.

27. E como era feito o trabalho: hoje, quando a pessoa precisa de uma embalagem vai a agência de publicidade ou ao departamento específico de empresa e lá há pessoas, por exemplo, só para dar a ideia que só dão o texto, e outra que desenham.
Naquele tempo era bem diferente, não havia nada disto. Algumas firmas vinham com uma ideia mais ou menos bolada e cabia ao primeiro desenhista desenvolvê-la, fazer o desenho e submetê-lo a apreciação. Mas, geralmente era o próprio desenhista quem dava a ideia, desenvolvia, e punha o texto também. Uma exemplo foi a ideia de um cartaz que fiz para uma facção política, mais tarde a UDN, a Confederação dos Tinguis. Bolei uma pessoa segurando um pinheiro, evitando que ele caísse. Eles gostaram, inclusive dístico que foi completado apenas por uma palavra pelo Erasto Gaertner. Fiz assim: “O Paraná confia na capacidade e no esforço de seus filhos”, e mandou finalizar: ”filhos dedicados”.

28. Quer dizer que além de desenhar o senhor tinha que dar também o texto?
Quase sempre era a gente mesmo que punha o dístico.

29. Mas então era difícil, e o primeiro desenhista tinha que ser o homem dos sete instrumentos.
Não, porque naquele tempo a gente não levava tão à sério este negócio. E também havia o plágio. A gente aproveitava uma ideia daqui, outra dalí e formava o texto junto do anúncio. Eu pouco usava este recurso porque geralmente tinha o dom para bolar a ideia mais ou menos. Mas ideia razoável para aquele tempo, porque se fosse hoje em dia não. Está tudo modificado, avançadíssimo. No meu tempo era tudo simples; quando vejo os cartazes atuais, sinto-me envergonhado.

30. Aconteceu de levarem à Sociedade Metalgráfica algum produto para o senhor escolher o nome, um lançamento?
Não trabalhávamos sempre com marcas e nomes já registrados, e estes nomes eram sempre escolhidos pelo próprio dono da empresa.

31. Lembra de algum problema, algo fato marcante no seu serviço?
Aconteceu que já tínhamos a justiça em cima da fábrica. Um dos casos envolveu aqueles enfeites imitando madre-peróla que uma determinada indústria costumava colocar nas máquinas de costura. Uma firma, não quero dizer o nome, encomendou os tais enfeites e nós fizemos, copiando direitinho. Seu proprietário recebia máquinas velhas para consertar, consertava e depois colocava a placa. Outro caso tivemos com os desenhos da Walt Disney. Começamos a fazer decalcomanias de todos os tipos inclusive daquelas figurinhas bonitinhas e aí veio uma multa em cima. Com a multa, a fábrica já aproveitou e comprou os direitos de reprodução e continuamos.

32. Depois de quanto tempo a Sociedade Metalgráfica encontrou concorrentes na confecção de decalcomanias?
Não sei. Só posso dizer que mais tarde surgiu uma fábrica em São Paulo, e depois surgiram fábricas de decalcomanias a quente que nós também fabricávamos. Era uma impressão normal, com breu em pó por cima. Depois ia ao forno, o breu derretia, e ficava preso na tinta. Dá punha-se o papel em cima, passava-se o ferro, e o desenho ficava.

33.As decalcomanias produzidas aqui eram vendidas em todo o Brasil?
As decalcomanias para crianças (figurinhas, bandeiras, personagens históricos, brasões) iam para todo país, pois tínhamos representantes em todos os Estados.

34. Quais eram os tipos de decalcomanias?
Fazíamos inclusive decalcomania para louça, atendendo pedido específico de temas, de acordo com o interesse do comprador: sobre datas, festejos, paisagens, etc. O volume de venda destas decalcomanias era tão grande que as outras, para crianças deixávamos em segundo plano. Era quase que só para a louça e os pedidos maiores vinham de São Paulo e Campo Largo.

35.A decalcomania para louça é muito diferente?
São tintas especiais, mas a decalcomania é tirada normalmente. Molha-se o papel na água, coloca-se na xícara ou no prato e deixa secar. Depois leva-se ao forno, lá ele derrete e fica para sempre. No finzinho da minha permanência na Sociedade Metalgráfica,, ao invés de desenhar a decalcomania na pedra já se estava usando a fotografia, o que facilitou em muito.

36. E era muito difícil desenhar decalcomanias?
Sim; era preciso saber alguma técnica, principalmente para a decalcomania em louça; As cores, por exemplo, não podiam ser impressas umas sobre as outras senão a louça rachava no forno. Mas além do conhecimento na aplicação da tinta, o processo era o mesmo.

37. E o desenho na pedra. É muito complicado?
Não até que é bom, muito bom.

38. Mas tem que ser feito com pena, não é?
Sim e com uma tinta especial em forma de bastão. Coloca-se esta tinta num vasilhame Côncavo e vai esfregando, esfregando, até aparecerem estrias mais claras. Depois deixa-se a tinta descansar e no outro dia já pode começar a trabalhar. A tinta é boa de trabalhar porque não borra, não se espalha, faz traços finíssimos ou grossos, como quiser.

39. Com que o senhor aprendeu a trabalhar na pedra?
Com o meu primo, aquele que falei no inicio da entrevista. O processo só é meio complicado porque a gente tem o desenho e para fazer a matriz tem que fazer cruzetas na extremidade. A matriz de cada cor tem que ter suas cruzetas coincidentes com as cruzetas das outras cores, senão borra tudo.

40. Porque o senhor que tem tantos quadros, preferiu ser litografo em vez de pintor?
Acontece que eu não sou pintor; o pinto nas horas vagas. Deixei de pintar porque meu primo chegou a ser chefe da Seção Cartográfica do Departamento de Terras do Estado e me levou para lá. Entrei no Serviço Público e por isto deixei a Sociedade Metalgráfica. Fui especializando em mapas, e depois em mandaram par ao Rio de Janeiro para um curso de cartografia com duração e dois meses. Entrei no Estado em 1938 e permaneci até me aposentar.

41. Os mapas eram feitos, então, em pedras litográficas?
No meu trabalho não. Eu desenhava em papel canso e mandava para as litografias. Eram elas que faziam o trabalho de impressão.

42. E decalcomanias, quais eram os temas mais frequentes?
Flores, animais, e principalmente bandeiras de todos os países, as armas da República, dos Estados, emblemas, além de motivos próprios para crianças como bonecos, animais e objetos.

43. Lembra alguma história interessante a respeito dos rótulos?
Interessante não. Aquilo era um trabalho tão corriqueiro. Aquele tempo o Norte do país com exceção do Recife era muito primitivo. Tinhamos muitos fregueses por lá, Ceará, Bahia, e era muito fácil contentá-los.

44. Quando o senhor entrou na Sociedade Metalgráfica, quem mais fazia rótulos em Curitiba?
Só a Impressora Paranaense, que era a mais antiga, e a Litografia Progresso.

45. A Litografia Pradi começou em que época?
Ah, não recordo, só sei que quando a Sociedade Metalgráfica se desfez das máquinas de imprimir em folhas de flanders, se não me engano, foi a Pradi quem comprou.

46. A Sociedade Metalgráfica acabou em que época?
Ela não acabou. Com a saída do Schroeder e depois, com o falecimento do Kirstein ela mudou-se para a rua João Negrão com o nome de Fábrica Fontana.

47. O Kirstein era bom profissional?
Era muito bom. Sabia de tudo, aquele. Era um homezinho, do mesmo tamanho do Schroeder, só que era magrinho e manco e o Kirstein era forte. Além disto, era um brincalhão de mão cheia. Posso contar uma coisa não muito boa? Quando apareceu a ordem do governo para todo mundo de inscrever, por causa da carteira de saúde, o Kirstein chegou na Sociedade onde trabalhavam muitas moças e disse: “Amanhã venham todas de calça limpa para receber o pessoal da Saúde Pública.

48. O senhor lembra mais alguma coisa sobre ele? Está difícil obter informações por que toda a família desapareceu.
Está família foi perseguida pelo destino. Ele teve dois filhos, ginastas de primeira ordem. Pois um morreu em consequência de uma operação de apêndice, e o outro afogou-se. Depois, para o casal não ficar só, resolveram adotar uma moça. Ela estudou era inteligente, foi bancária, mas acabou se suicidando. Antes de acontecer tudo isto, o Kirstein tinha em mente abrir uma fábrica de conservas em Paranaguá.

49. Parece que o Schroeder e o Kirstein tinham um amigo que soprava da Alemanha as últimas novidades no ramo, e eles introduziram aqui, como no caso da decalcomania.
Pode ser, não posso afirmar. Só sei que fazíamos coisas como cartazes em relevo, que naquele tempo ninguém conhecia. A pedra era preparada com asfalto e a parte que sairia no relevo ficaria descoberta, o ácido ia comendo. Isto diversas vezes até chegar na profundida necessária. Depois fazia-se o contrário, para se obter o positivo e o negativo, pois eram duas chapas.

50. Este tipo de cartaz foi usado para que, por exemplo?
Lembro que fizemos um sobre o Hotel Johnscher que foi pregado em trens. Tínhamos um contrato e o trabalho foi feito em uma semana. Fiz o cartaz durante uma noite e depois as matrizes. E até que ficou bonitinho. Dizia mais ou menos assim: ”Vai a Curitiba, hospede-se no Hotel Johnscher!”

51. Lembra do nome de pessoas que tenham sido bons litógrafos, reconhecidos pela maioria?
Havia um alemão muito bom, mas já esqueci o nome. O Wenceslau Fraple trabalhou, também com lápis litográfico, mas foi por pouco tempo.

52. O litografo ganhava bem?
Eu era o primeiro desenhista e quando saí da Sociedade Metalgráfica ganhava 16 mil réis por dia. Passei para o Estado ganhando 360 mil réis por mês, mas lá trabalhava meio dia, com mais liberdade. Na Sociedade, não, era trabalho no duro, das sete horas da manhã às cinco horas da tarde.

53. Como era composta a equipe de trabalho: quem trabalhava além do primeiro desenhista?
Havia os litógrafos e na Sociedade chegamos a trabalhar até com três. O melhor deles era Rodolfo Koerpel rápido e eficiente, já falecido.

54. O que precisava ser para chegar a primeiro desenhista?
Primeiro desenhista precisava, além de saber desenhar, ter ideias para desenvolver o croqui.

55. Antes do senhor, o primeiro desenhista sempre foi o Schroeder?
Sempre, desde a fundação da Sociedade.

56. Porque os rótulos de gasosa eram tão parecidos?
É que o produto era muito baratinho e não pagava rótulos caros. Então as fábricas usavam a mesma matriz, só mudando o nome do produto. O mesmo desenho.

57. E este anúncio da Cerveja Imperial Pilsen com a garrafinha recortada, é que sobre para a mesa, a ideia foi sua?
Não, foi copiado de uma revista alemã. Depois fizemos uma garrafinha em folha com um prego e dois palitos atrás. A pessoa tirava os palitos, rodava a garrafa e quando ela parava apontava o gargalo para a pessoa que teria que pagar a conta do bar.

58. Alguns poucos rótulos levavam dourado.
Estes rótulos eram considerados de luxo. Davam mais trabalho porque eram impressos em verniz e imediatamente passava-se em chumaço de algodão com purpurina em cima e deixava secar.

59. Muito rótulos foram feitos em letras góticas, por que? Era moda?
Não, é que letras góticas eram a minha especialidade.

60. E este rótulo da Fábrica Princesa, de Ponta Grossa parece diferente dos demais.
Este foi o meu de mais folego. Eu dei a ideia, fiz o desenho e eu mesmo quis passar para a pedra. Deu muito trabalho porque eram cinco cores, cada uma numa pedra diferente, e levei de três a quatro dias para desenhar cada pedra. Devo ter levado um mês para concluí-lo.

61. E esta música “Adoração” porque o senhor guardou?
Guardei todos os meus trabalhos. A Sociedade imprimia muita música e esta, “Adoração”, tem letra e música de Emydio de A. Trilho que era tesoureiro da firma. Fiz a capa com lápis litográfico, e acho que ficou horrível.

62. Estas decalcomanias de vultos históricos, como o senhor desenhava?
Procurava modelos em livros e reduzia. Era copiado. Este D. Pedro que fiz, por exemplo, ficou com o nariz meio fora de jeito.

63. O senhor fez muitos cartazes, qual foi o primeiro?
Este, da Exposição Rodoferroviária e Feria Inter-Estadual Comemorativos do Cinquentenário da Estrada de Ferro do Paraná, do ano de 1935.

64. Chegou a receber algum prêmio?
Tirei, quando já estava na Sociedade Metalgráfica. Fizeram um concurso de cartazes para uma Companhia de Aviação e tirei o primeiro lugar. O engraçado que o prêmio era uma viagem de avião para São Paulo, e como eu tinha medo, vendi aos  filhos do Fontana.